O eclipse solar de 1919 e a gravitação einsteiniana

domingosO GEDAI publica o décimo sexto texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

 

O eclipse solar de 1919 e a gravitação einsteiniana

Domingos Soares

14 de maio de 2019

Uma das previsões mais famosas da Teoria da Relatividade Geral (TRG), de Albert Einstein, é a da deflexão gravitacional da luz.

A comprovação deste efeito poderia, em princípio, ser realizada por ocasião de um eclipse solar. As estrelas de fundo, em torno do círculo solar, poderiam ser usadas como fontes luminosas para o experimento. A TRG prevê, para incidência rasante de luz na superfície do Sol, um desvio de 1,75 segundo de arco, na trajetória do raio de luz. Em outras palavras, a posição de uma estrela observada — durante o eclipse —, próxima ao disco solar, deveria parecer deslocada deste ângulo, quando observada sem a influência gravitacional do Sol sobre a sua luz, ou seja, quando observada alguns meses mais tarde. Existe também uma previsão puramente newtoniana para o efeito, a qual é exatamente a metade da relativista.

deflexao
A linha sólida grossa representa a trajetória da luz passando pela borda de um corpo esférico de raio R. A deflexão total da trajetória da luz é igual a 2×δ. A direção de incidência da luz é dada pelo ângulo φ_∞.

Em 1919, o astrônomo Frank Dyson e o célebre físico teórico e astrônomo Arthur Eddington organizaram duas expedições científicas para a observação do eclipse solar que ocorreu no dia 29 de maio daquele ano. Os astrônomos Andrew Crommelin e Charles Davidson chefiaram uma das expedições, a de Sobral, no Ceará, e o próprio Eddington e E. Cottingham comandaram a outra, a da ilha do Príncipe, na costa ocidental da África.

Eddington fora cativado pela relatividade geral desde o primeiro instante, e tornou-se o evangelista de Einstein na Grã-Bretanha. Ele próprio admitia que se dependesse de sua vontade, ele não se preocuparia em realizar expedições para a observação de eclipses, já que estava convencido da teoria Einsteiniana. Como veremos, isto influenciou decisivamente na interpretação das observações.

Um grande problema, logo evidenciado, para a comparação entre as observações no eclipse, durante o dia, e fora dele, à noite, é a diferença na temperatura ambiente. Isto poderia alterar a estrutura dos instrumentos e, por conseguinte, alterar o foco dos telescópios. A temperatura também influencia as condições da turbulência atmosférica. No total, havia doze tipos diferentes de fatores que deviam ser considerados, e isto obrigava à observação de no mínimo seis pares de estrelas, durante e fora do eclipse.

Havia dois instrumentos em Sobral, uma câmera astrográfica, de Greenwich, e um telescópio irlandês, com uma lente de 10 cm. Na ilha do Príncipe, havia outra câmera astrográfica. O mau tempo predominou na ilha do Príncipe, mas Eddington insistiu em fotografar e obteve duas placas onde apareciam apenas cinco estrelas, e com imagens borradas. Mesmo assim Eddington, através de suposições e aproximações adicionais, conseguiu obter um resultado para a deflexão da luz de 1,61 segundo de arco. Em Sobral, as condições meteorológicas foram melhores. O telescópio irlandês forneceu os melhores dados: sete placas com sete estrelas. A análise de Eddington resultou em 1,98 ± 0,12 segundo de arco. A câmera astrográfica obteve mais estrelas, mas o efeito da temperatura sobre o instrumento foi drástico. O resultado foi de 0,86 segundo de arco — a previsão newtoniana —, entretanto com uma grande incerteza. Qual seria a resposta correta? Eddington tomou a decisão: desprezou o resultado do astrógrafo de Sobral e tomou, simplesmente, a média dos dois outros resultados. Exatamente 1,75 segundo de arco, a previsão relativista.

eclipse
Uma das fotografias obtidas em Sobral, com o telescópio irlandês de 10 cm de abertura. As estrelas estão assinaladas pela marcação — —, duas delas próximas ao disco solar.

A turbulência atmosférica local, nos dois sítios, impediria a medida de detalhes menores do que 2 a 3 segundos de arco. Naquela época já era evidente que apenas em excepcionais condições atmosféricas podia se conseguir uma resolução da ordem de 1 segundo de arco. Hoje sabe-se que, utilizando-se as técnicas refinadas de ópticas ativa e adaptativa, pode-se reduzir os efeitos da turbulência atmosférica para valores menores do que aproximadamente 0,5 segundo de arco, e mesmo assim contando com condições excepcionais de observação. Este problema é acentuado durante as tardes, devido ao calor acumulado no solo. As observações de Sobral foram realizadas próximo ao meio-dia, e na ilha do Príncipe, por volta das 14 horas. A imagem estelar não será nunca menor que 1,25 segundo de arco — para a lente de 10 cm do telescópio irlandês. Isto invalidaria a precisão declarada em alguns dos resultados de 0,01 segundo de arco.

Durante a permanência em Sobral, a temperatura variava de 24 °C, à noite, a 36 °C, à tarde. Os efeitos sobre o astrógrafo de Sobral foram particularmente desastrosos. O seu foco parece ter mudado, da noite de 27 de maio até a momento do eclipse, no início da tarde do dia 29. Quando a equipe retornou a Sobral, em julho, para obter as placas de comparação, descobriu-se que o instrumento havia retornado ao foco anterior.

Do ponto de vista teórico, relata-se que o físico Polonês Ludwik Silberstein apontara, numa reunião da Sociedade Astronômica Real Britânica, que os deslocamentos aparentes das estrelas não eram radiais, relativamente ao centro do Sol, como previsto pela TRG, mas algumas vezes desviados desta direção de até 35°.

Quando os resultados da análise feita por Eddington e Dyson foram apresentados, numa reunião conjunta das Sociedade Real e Sociedade Astronômica Real Britânicas, o então presidente da Sociedade Real, o físico — descobridor do elétron e prêmio Nobel — Joseph J. Thomson teria dito: “É difícil para a audiência avaliar inteiramente o significado dos resultados que nos foram apresentados, mas o Astrônomo Real [Frank Dyson] e o Prof. Eddington estudaram o material cuidadosamente, e eles consideram a evidência como decisiva em favor de valor maior [o previsto pela TRG] para o deslocamento [angular]”. Os textos entre colchetes foram acrescentados mim. A autoridade de Eddington fora preponderante para a aceitação do resultado favorável à TRG.

A confirmação observacional do efeito da deflexão já vinha sendo perseguida muito antes das expedições de Eddington, especialmente pelo astrônomo Erwin F. Freundlich, então no Observatório de Berlim. Apesar de sua insistência, não teve êxito. Igualmente sem sucesso, o astrônomo do Observatório Lick, nos Estados Unidos, W.W. Campbell, realizou várias tentativas. Pode-se dizer, que nenhum dos cientistas que se dedicaram ao problema tinha o prestígio científico e o trânsito entre fortes personalidades científicas da época, como Eddington. Estes fatos têm sido muito usados, na literatura, como constituindo as principais razões do “sucesso” do astrônomo britânico em sua empreitada.

A impressão de que as expedições de Dyson e Eddington tenham sido, de fato, um fracasso, quanto aos seus fins, é ainda mais reforçada pelo fato de que observações de eclipses posteriores, em 1922, 1929, 1936, 1947 e 1952, não foram convincentes em obter um resultado positivo. Somente recentemente, a partir de observações do eclipse solar total de 21 de agosto de 2017, foi obtido o valor de 1,75 segundo de arco para a deflexão da luz visível, com uma precisão de 3%.

Um toque pessoal: no dia 20 de agosto de 2014, eu e minha esposa visitamos o Museu do Eclipse em Sobral, CE. Convido-os à leitura do relato desta visita neste local.
=========================
Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
=========================