ATRAVÉS DO UNIVERSO: Crenças populares da cosmologia moderna
O GEDAI publica o trigésimo texto da série ATRAVÉS DO UNIVERSO, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física / UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica.
Crenças populares da cosmologia moderna
13 de março de 2021
O físico estadunidense Murray Gell-Mann (1929-2019) recebeu o prêmio Nobel de física em 1969 pela sua contribuição para a teoria das partículas elementares (“for his contributions and discoveries concerning the classification of elementary particles and their interactions”, cf. citação da Fundação Nobel).
Ele é responsável pela ideia de que os hádrons não são partículas “elementares”, mas sim constituídas por partículas subatômicas, que ele denominou quarks. (Os hádrons são partículas “pesadas”, a saber, os prótons e os nêutrons — estes, também chamados bárions — e os mésons, os quais interagem via interação forte, uma das 4 interações fundamentais da natureza.) Estas novas ideias foram impulsionadas pela profusão de dados experimentais sobre as interações fortes, nas décadas de 1950 e 1960, obtidos de experimentos realizados em aceleradores de partículas e de observações de raios cósmicos.

Exemplificando: de acordo com Murray Gell-Mann, o próton é formado por 3 quarks, 2 deles com carga +2/3e (cada um deles chamado quark u) e 1 com carga −1/3e (quark d), resultando na carga total de +2/3e + 2/3e − 1/3e = + 1e, que é a conhecida carga do próton (aqui e é o valor absoluto da carga do elétron, que é a carga elementar).

Em depoimento, há alguns anos, Murray Gell-Mann conta que “O problema apresentado pelas novas partículas pesadas [portanto, de interações fortes], detectadas copiosamente em raios cósmicos e aceleradores, era de que elas decaíam lentamente, como se fossem partículas de interação fraca.” Ele afirma, então, que resolveu a charada com a invenção do modelo dos quarks.
Mas, segundo ele, inicialmente, a ideia do quark enfrentou muita resistência, devido a várias ideias preconcebidas, ou como ele diz, a várias “crenças comuns” (“shared beliefs”) existentes na época, tais como:
- o próton e o nêutron são partículas elementares,
- não existem cargas elétricas fracionárias e
- não devem existir partículas elementares confinadas, e os quarks eram confinados permanentemente.
Então, além do trabalho científico, ele necessitou de um esforço enorme ao desafiar estas crenças arraigadas. Ele lembra que o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) também enfrentou este tipo de resistência, quando propôs a Teoria da Relatividade Especial, na qual ele desafiava as crenças comuns a respeito do espaço e do tempo. A crença comum era de que o espaço e o tempo eram absolutos.
Que lições tirar desta história, relativamente à cosmologia moderna?
Podemos comparar o comportamento dos cientistas contemporâneos de Murray Gell-Mann com o dos físicos e cosmólogos partidários do Modelo Padrão da Cosmologia, o Modelo do Estrondão Quente. Estes possuem, entre outras, as seguintes crenças arraigadas:
- o universo está em expansão,
- a radiação de fundo de micro-ondas tem origem cósmica e
- os elementos atômicos leves foram formados em um evento inicial da evolução do universo.
Estas crenças bloqueiam muitos dos avanços promissores em cosmologia. Ao propor um modelo alternativo ao Estrondão, o proponente, às vezes, questiona uma ou mais das crenças arraigadas existentes no ambiente acadêmico-científico. Ou seja, como Gell-Mann, o cientista inovador tem que, além do difícil trabalho científico, enfrentar oposições científicas de natureza preconceituosa.
São estas, as lições da história…
O depoimento de Murray Gell-Mann está disponível no vídeo intitulado “Murray Gell-Mann talks quarks”, com a duração de 12 minutos e 5 segundos, com legendas em inglês.
Para conhecer um pouco mais sobre o Modelo Padrão da Cosmologia e sobre os seus problemas, os quais justificam a busca de uma teoria alternativa, leiam o artigo Universo do Estrondão Quente.
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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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