O INÍCIO DE TUDO: décadas depois, quais são os pilares e problemas do “Big Bang”?

Leonardo G. Diniz, Dilvana M. Fiorini de Aguiar Moreira e Nayane Breder

Quanto menos sabemos sobre o universo, mais fácil é explicá-lo.
(L. Brunschvicg)

A origem do nome

Em 1949, durante uma fala para a rádio BBC (British Broadcasting Corporation), o astrofísico e cosmólogo Fred Hoyle utilizou o termo “Big Bang” para se referir ao modelo de um universo em expansão a partir de uma singularidade inicial. Como crítico deste tipo de modelo, Hoyle usou o termo de forma pejorativa. No entanto, nas décadas seguintes, o modelo do “Big Bang” se tornou dominante dentro da comunidade científica, virando, portanto, o modelo padrão da cosmologia. Nesse modelo, a singularidade teria ocorrido há aproximadamente 13.8 bilhões de anos. Esse tempo é interpretado por muitos cientistas como a idade do universo.

Apesar do forte apelo popular do nome, o termo “Big Bang” não é adequado para descrever a teoria. Para John Mather, astrofísico sênior da NASA e um dos ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2006 (por um trabalho relacionado à observações importantes para a teoria do “Big Bang”),

“Big Bang” é realmente um nome inadequado para o universo em expansão que nós vemos.  Nós vemos um universo infinito expandindo em si próprio. O nome “Big Bang” traz a ideia de uma bomba explodindo em um certo tempo e lugar, com um centro. O universo não tem um centro. O “Big Bang” aconteceu em todo lugar ao mesmo tempo e foi um processo que ocorreu no tempo, e não em um ponto no tempo.

O berço do modelo padrão atual

O primeiro modelo cosmológico consistente com a teoria da relatividade geral foi proposto pelo próprio Albert Einstein, em 1917. Acreditando em um universo estático, ele adicionou um termo repulsivo, chamado de constante cosmológica, em suas equações de campo gravitacional. A constante, que não existia nas equações originais, foi introduzida por ele com o objetivo de gerar um modelo de universo estático. Neste ano, a teoria da relatividade geral ainda não era um consenso sólido na física, quadro que só se alterou após as observações do desvio da luz durante o eclipse de 1919, realizadas em Sobral (Brasil). Quando Einstein propôs seu modelo cosmológico, nem mesmo a existência de galáxias era um consenso científico.

Albert Einstein. Foto: Acme, Domínio Público, via Wikimedia Commons.

As primeiras soluções teóricas para as equações de Einstein que previam um universo em expansão surgiram com o matemático russo Alexander Friedmann, em 1922. Em 1927, de modo independente, o físico, astrônomo e também padre Georges Lemaître obteve soluções equivalentes às obtidas por Friedmann. Os universos expansionistas de Friedmann e Lemaître implicam numa origem do universo com uma singularidade, onde a densidade de matéria diverge. Essa ideia ainda é a base do modelo padrão atual e, por conta disso, ambos são considerados os pais da cosmologia moderna.

Galáxias, expansão do universo e o dilema da idade

Em 1912, o astrônomo Vesto M. Slipher observou que as linhas espectrais de estrelas na nebulosa de Andrômeda estavam desviadas para o azul. Considerando como causa desse desvio o fenômeno “efeito Doppler”, ele estimou que Andrômeda estava se aproximando do Sol com uma velocidade de 300 km/s. O efeito Doppler, que é muito utilizado em radares de velocidade nas estradas, se baseia no fato da velocidade relativa entre fonte e observador provocar um desvio na frequência captada. Em um trabalho que levou duas décadas, Slipher analisou os desvios de outras nebulosas e percebeu que, para a maioria delas, as linhas espectrais apresentavam um desvio para o vermelho (indicando que essas nebulosas estavam se afastando de nós).

Após observar uma estrela do tipo Cefeida (um tipo de estrela utilizada para medir grandes distâncias) localizada em Andrômeda, em 1923, o astrônomo Edwin Hubble percebeu que a distância de Andrômeda até nós era muito maior do que as dimensões da Via Láctea. A nebulosa de Andrômeda era, portanto, uma galáxia. Antes desse trabalho, não havia um consenso sobre a existência de outras galáxias. Muitas das nebulosas observadas por Slipher também eram, na verdade, galáxias.

Edwin Powell Hubble. Foto: Johan Hagemeyer, Domínio Público, via Wikimedia Commons.

Com os resultados de Slipher e a confirmação da existência de galáxias, a maioria delas pareciam se afastar de nós. Usando as medidas dos desvios para o vermelho, Hubble encontrou uma relação linear entre os desvios e as distâncias das galáxias. Assumindo o efeito Doppler como causa dos desvios, a conclusão é: quanto mais distante estava a galáxia, em média, maior era a sua velocidade de afastamento.   

Um modelo estático para o universo não consegue explicar esses afastamentos, pois deveríamos observar tanto galáxias se afastando (desvio para o vermelho) quanto se aproximando (desvio para o azul). Por outro lado, os modelos expansionistas de Friedmann e Lemaître se adequam bem a essas observações, interpretando que os afastamentos das galáxias se devem à expansão do espaço. Uma relação linear entre as velocidades e as distâncias das galáxias já era mencionada como previsão teórica no modelo de Lemaître.

A interpretação de expansão do universo depende de atribuir a causa dos desvios para o vermelho das galáxias ao efeito Doppler. Na época dos resultados de Hubble, também surgiram outras interpretações alternativas para explicar o desvio, como a hipótese da “luz cansada”, proposta pelo astrônomo suiço Fritz Zwicky. Nessa hipótese, a luz perderia energia por algum mecanismo de arrasto gravitacional, explicando, assim, os desvios para o vermelho observados. No entanto, como esse mecanismo implicaria em outras previsões que não foram observadas, essa proposta foi abandonada pela maioria da comunidade científica. Caso a causa do desvio para o vermelho não fosse a expansão do universo (efeito Doppler), seria necessário existir um novo mecanismo ou fenômeno físico ainda não conhecido para explicar essa causalidade. Por conta disso, a expansão do universo é considerada um dos pilares que estruturam o modelo padrão da cosmologia.  

Como o modelo de universo em expansão e os resultados de Hubble, foi possível fazer uma projeção para o passado e estimar o tempo transcorrido até a singularidade inicial, a chamada idade do universo. Como relata Domingos Soares, professor da UFMG e divulgador científico de astrofísica e cosmologia, naquele momento surgiu um grande problema, o dilema da idade. 

Quando o Hubble pegou a constante de expansão que ele determinou e calculou a idade (do universo), dava uma idade menor do que a idade da Terra (idade geológica).

Segundo Domingos, esse problema ficou sem solução até que o próprio Lemaître propôs, ainda na década de 1930, um modelo com uma expansão desacelerada seguida de uma parada e, finalmente, uma expansão acelerada. Com essa proposta, a idade do universo poderia ser ajustada para resolver o dilema da idade.

Matéria bariônica e matéria escura

O mesmo Zwicky, proponente da hipótese da luz cansada, fez uma importante descoberta em 1933. Ao medir as velocidades radiais de algumas galáxias em um aglomerado, ele concluiu que a densidade média de matéria necessária para explicar as velocidades observadas deveria ser bem maior do que a densidade estimada pela observação de matéria luminosa presente no aglomerado. Em síntese, ele constatou que a matéria luminosa observada não era suficiente para manter o sistema gravitacionalmente ligado. Dentro da teoria gravitacional, seria necessário, portanto, existir uma grande quantidade de matéria não luminosa, que ele chamou de matéria escura. Resultados semelhantes foram obtidos em outros sistemas por outros pesquisadores, posteriormente. Como será discutido mais a frente, a matéria escura será um componente fundamental da teoria do “Big Bang”.

Na década de 1940 e início de 1950, George Gamow e seus colaboradores, Ralph Asher Alpher e Robert Herman, trabalhavam na descrição dos estágios iniciais do universo usando física nuclear de alta energia. O objetivo principal da pesquisa era achar uma explicação sobre a formação dos elementos químicos nos estágios iniciais do universo. Eles formularam a base teórica que descreve a nucleossíntese primordial do universo na teoria padrão da cosmologia. Posteriormente, vários outros físicos contribuíram com progressos e correções nessa descrição.

Em resumo, a teoria padrão descreve um universo primordial dominado pela radiação. Com o esfriamento provocado pela expansão do universo, teriam sido gerados os elementos mais leves, como H (hidrogênio), D (deutério, isótopo do H com um nêutron além do próton), He (Hélio) e Li (Lítio). Os elementos mais pesados só seriam gerados nos interiores das primeiras estrelas. 

A nucleossíntese da teoria do “Big Bang” consegue prever as abundâncias dos elementos leves no universo primordial. Em regiões do universo atual pobres em elementos pesados (como Carbono, Nitrogênio e Oxigênio), esperamos ter valores de abundâncias próximos aos que existiam no universo primordial. A previsão teórica do modelo, que depende do ajuste de um parâmetro na teoria, mantém um excelente acordo com as observações.

O ajuste desse parâmetro tem uma implicação curiosa: a matéria bariônica (constituída por bárions) deve corresponder a, no máximo, 5% da densidade crítica do universo. Prótons e nêutrons, que constituem a maior parte da massa de um átomo, são bárions. Portanto, a massa dos corpos ordinários feitos de átomos, como as estrelas, nós e os objetos em geral, é praticamente bariônica. Dentre os 5% de matéria bariônica prevista, segundo o professor Domingos Soares, apenas 0.5% foram observadas diretamente até o momento. 

Outras observações aplicadas ao modelo padrão indicam que a densidade de matéria escura corresponde a aproximadamente 30% da densidade crítica do universo. Se a densidade de matéria bariônica não pode ultrapassar 5% no modelo padrão, a maior parte da matéria escura não tem natureza bariônica, tendo, portanto, uma natureza exótica. Se, por um lado, o sucesso do “Big Bang” em prever as abundâncias dos elementos leves é considerado um dos pilares da teoria, compreender a natureza exótica da matéria escura constitui, ainda hoje, um problema em aberto. 

A radiação cósmica de fundo (o ruído do “Big Bang”)

O trabalho de Gamow e Alpher também implicou em outra previsão teórica importante. Segundo o modelo do “Big Bang”, seria possível detectar, nos dias atuais, uma componente remanescente da radiação do universo primordial (uma época em que o universo era quente e denso, apenas 380 mil anos após o “Big Bang”).

Essa radiação, chamada de radiação cósmica de fundo, acabou sendo encontrada por acaso em 1964, pelos rádio-astrônomos Arno Penzias e Robert W. Wilson. A detecção dessa radiação corresponde a radiação típica de um corpo negro de aproximadamente 3K de temperatura. De acordo com as leis da física, o perfil da radiação (curva de intensidade em função do comprimento de onda) é definido pelo valor da temperatura. 

O resultado experimental de Penzias e Wilson foi publicado em um volume do Astrophysical Journal de 1965. No mesmo volume, Robert Henry Dicke, Philip James Edward Peebles, Peter G. Roll e David T. Wilkinson publicaram a interpretação teórica desta detecção como uma confirmação da radiação remanescente do “Big Bang”. Pela detecção, Penzias e Wilson ganharam o prêmio Nobel de Física de 1978, enquanto Peebles foi um dos agraciados pelo prêmio de 2019 por suas contribuições teóricas na cosmologia.

Radiação cósmica de fundo (em microondas) detectada pelo satélite COBE. Crédito: NASA.

Com o objetivo de analisar em detalhes a radiação cósmica de fundo na faixa do microondas, em 1989, a NASA lançou ao espaço o satélite “Cosmic Background Explorer” (COBE). Os dados obtidos pelo satélite descreveram uma radiação de corpo negro com temperatura de 2.735K, com incerteza menor que 1%. Também foram observadas pequenas anisotropias de temperatura nesta radiação. Essas variações são consistentes com a teoria padrão da cosmologia. Segundo a teoria, as perturbações de densidade de matéria, necessárias para explicar a formação das primeiras estrelas e galáxias, deixariam como marcas pequenas anisotropias na radiação cósmica de fundo. Pelo trabalho realizado com o satélite COBE, John Cromwell Mather e George Fitzgerald Smoot III foram agraciados com o prêmio Nobel de Física de 2006.

A inflação cósmica no modelo

Até então, vimos que os pilares que sustentam o modelo padrão da cosmologia se baseiam na explicação da expansão do universo, da abundância dos elementos leve e da radiação cósmica de fundo. Apesar do sucesso, o modelo ainda enfrentava sérias dificuldades, como (1) os problemas da planura (ou problema da entropia) do universo, (2) do horizonte (ou problema da isotropia) e (3) a dificuldade em explicar fisicamente o processo de formação das galáxias.

O problema da planura pode ser entendido a partir do modelo do “Big Bang”. De acordo com o modelo,  a curvatura do universo poderia ser nula (espacialmente chato), positiva ou negativa. Na teoria, a definição de cenário depende do valor de um parâmetro, que chamaremos de parâmetro de densidade total do universo (Ω). Caso Ω fosse > 1, ele aumentaria com o passar do tempo e a curvatura do universo seria negativa. Se fosse < 1, ele diminuiria com o tempo e a curvatura seria positiva. Caso fosse exatamente igual a 1, Ω não mudaria e teríamos um universo chato (curvatura nula). O caso da curvatura nula é, portanto, uma situação de equilíbrio instável. A teoria padrão aponta para um valor de Ω=1 (com uma precisão de muitas casas decimais) no início da evolução cósmica, prevendo, portanto, um universo chato. Compreender porque o universo escolheu um ajuste tão finamente ajustado para esse parâmetro era um dos mistérios do modelo padrão.

O segundo problema, do horizonte, era relacionado à detecção da radiação cósmica de fundo. Segundo a teoria da relatividade especial, nenhuma informação pode ser transmitida mais rápido do que a luz. Considerando a idade do universo finita, como é o caso do “Big Bang”, existe um limite espacial, chamado de distância de horizonte, além do qual não poderíamos ter qualquer tipo de troca de informação. Considerando que a radiação cósmica de fundo foi gerada na fase inicial do universo e que a idade atual é de aproximadamente 14 bilhões de anos, a distância de horizonte, na época da detecção da radiação, era da ordem de 600 mil anos luz. No entanto, a radiação de fundo detectada, que é altamente isotrópica, continha fótons vindos de regiões separadas por uma distância muito maior do que a distância de horizonte. Então, o problema do horizonte é o seguinte: como duas regiões sem possibilidade de comunicação poderiam ter gerado a mesma radiação (criada na fase inicial do universo)?

O terceiro problema está na explicação da origem das galáxias e outras estruturas. Seria preciso ter ocorrido perturbações na matéria para criar as instabilidades gravitacionais necessárias para a formação dessas estruturas. O modelo padrão da cosmologia, naquele momento, não oferecia uma explicação para a origem dessas perturbações.

Para enfrentar esses problemas, no final da década de 1970, o físico americano Alan Guth propôs um modelo de universo inflacionário. Ele buscou apoio das teorias de grande unificação (TGU) da física de partículas. A ideia central dessas teorias está na unificação das forças forte, fraca e eletromagnética acima de uma certa escala de energia. Como hoje estas forças não se apresentam unificadas, as TGU preveem uma espécie de transição de fase. No modelo de Guth, antes da transição de fase, o universo passou por uma fase de super resfriamento e de expansão acelerada. Nesta expansão acelerada, chamada de inflação, houve um crescimento exponencial do espaço. Como explica o prof. Ioav Waga (UFRJ)  em seu artigo “Cem anos de descobertas em cosmologia e novos desafios para o século XXI”:

Para resolver os problemas cosmológicos é necessário um fator de crescimento das distâncias de pelo menos 28 ordens de magnitude (1028). Nessa fase a temperatura do universo decresceria também exponencialmente, pelo mesmo fator, e toda a matéria existente seria diluída. Finalmente a transição de fase se completaria com uma rápida termalização do calor latente (energia do vácuo acumulada na parede das bolhas), e o universo seria reaquecido a uma temperatura próxima à temperatura crítica. Após a inflação o universo entraria na fase de expansão usual desacelerada. A geração de entropia ocorreria com o reaquecimento do universo e o problema da chateza seria também resolvido. Observamos que, com o crescimento exponencial das distâncias na fase inflacionária, qualquer curvatura existente seria tremendamente suprimida. O problema de horizonte (ou isotropia) seria também resolvido, pois a região que constituiria hoje o universo observável, adviria de uma região bem menor que o horizonte naquela época e, portanto, poderia estar causalmente conectada.

O modelo de Guth tinha um problema em conciliar o tempo necessário para a inflação com o tempo necessário para a ocorrência da transição de fase. Resolvendo esse problema, Lindle e, posteriormente, Steinhardt e Albrecht propuseram um novo modelo inflacionário, com a inflação ocorrendo antes da transição de fase. No entanto, para funcionar, é preciso que o campo de Higgs, que gera a inflação, tenha interações extremamente fracas. Mas isso não é comum na Física de partículas, onde o campo de Higgs também é responsável pela transição de fase da unificação. Como aponta o prof. Ioav Waga no mesmo artigo:

Assim, a principal crítica a esses modelos, é que estaríamos simplesmente transferindo um ajuste fino na cosmologia para um ajuste fino na física de partículas.

Expansão acelerada do universo e energia escura

Em 1998, acreditava-se que o universo se encontrava em uma fase de expansão desacelerada. Mas nesse ano, observações de supernovas do tipo Ia mudaram drasticamente esse cenário. Por ter uma altíssima luminosidade, comparável ao brilho de uma galáxia inteira, uma supernova deste tipo pode ser observada em galáxias muito distantes. Pesquisadores observaram que os brilhos dessas supernovas distantes eram menores do que seria esperado para um universo se expandindo com velocidade desacelerada. Eles concluíram que o universo deveria estar em expansão acelerada. O prêmio Nobel de Física de 2011 foi concedido aos cientistas Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess por essas observações.

Para chegar a essa conclusão, foi necessário assumir a hipótese de que as supernovas do tipo Ia são homogêneas em relação ao brilho. Assim, a luminosidade intrínseca de uma supernova Ia mais próxima, detectada em uma galáxia de distância conhecida, poderia ser usada como referência para determinação do brilho intrínseco das mais distantes. 

Com a expansão acelerada do universo, surge a seguinte questão: o que estaria causando essa aceleração? A alternativa mais aceita pela comunidade científica foi assumir a existência de uma componente exótica no universo como causa desta aceleração. Como a gravidade da matéria ordinária é sempre atrativa, para explicar uma expansão acelerada, a componente exótica precisa gerar uma repulsão. Esta componente recebeu o nome de energia escura. Entender a natureza exótica da energia escura é um dos principais problemas em aberto da teoria.

Principais questões em aberto

Sintetizando as características principais do modelo padrão da cosmologia atual, podemos dizer que a singularidade do “Big Bang” ocorreu há aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Durante sua evolução, o universo passou por três fases distintas: (1) acelerada no início (período inflacionário, com pequeníssima duração); (2) desacelerada durante a maior parte do tempo; e (3) acelerada mais recentemente (nos últimos 4 bilhões de anos, aproximadamente). A composição do universo seria de aproximadamente: 5% de matéria bariônica, 25% de matéria escura e 70% de energia escura. 

Evolução do universo no modelo padrão. Crédito: NASA/WMAP Science Team, Domínio Público, via Wikimedia Commons.

Apesar dos avanços da cosmologia nas últimas décadas, algumas questões permanecem em aberto. É preciso entender melhor a matéria escura e, principalmente, a natureza exótica da energia escura. Para o prof. Ioav Waga (UFRJ), a possibilidade de que a aceleração cósmica seja consequência de uma teoria da gravitação alternativa também não pode ser descartada.

Entender o universo nos instantes iniciais da teoria, até o tempo de Planck (da ordem de 10-43s) ou especular o que havia antes (se é que havia) do “Big Bang” ainda é um dos maiores problemas não resolvidos da Física.  Como comenta o prof. João Steiner (USP) no artigo “A origem do universo e do homem”: 

A teoria da relatividade prevê que no instante zero a densidade teria sido infinita. Para tratar essa situação, é necessária uma teoria de gravitação quântica, que ainda não existe, e, portanto, essa questão não é passível de tratamento científico até este momento. Entender essa fase da história do universo é um dos maiores problemas não-resolvidos da física contemporânea.

Para John C. Mather, um dos ganhadores do prêmio Nobel de Física de 2006, ainda restam importantes questões em aberto.

Nós temos um Modelo Padrão da cosmologia e nós temos o Modelo Padrão da Física de partículas. Mas os mistérios incluem: Porque existe uma assimetria entre matéria e antimatéria, tal que a totalidade do universo observável é feito de matéria? O que é matéria escura? O que é energia escura? O que houve antes da expansão e fez ela acontecer, se alguma coisa fez isso? Temos uma ideia da inflação cósmica, que pode estar certa. O que são o espaço e o tempo propriamente? A teoria da relatividade geral de Einstein nos mostra como eles são curvados, mas os cientistas desconfiam que isso pode não ser a história final, por causa da mecânica quântica e especialmente do emaranhamento quântico.

John, que também participa do time de cientistas do Telescópio Espacial James Webb, também explica como esse empreendimento poderá jogar alguma luz sobre outra importante questão:

Especificamente, nós queremos ver os primeiros objetos que se formaram quando o universo se resfriou após o “Big Bang”. Nós não sabemos exatamente quando o universo fez as primeiras estrelas e galáxias – ou como se formaram, aliás. Estamos construindo o JWST para ajudar a responder isso. Hubble não é grande o suficiente ou frio o suficiente para ver os fracos sinais de calor desses objetos que estão tão distantes.

O que esperar pela frente?

Embora o “Big Bang” seja uma teoria recente, nos dias atuais, sua aceitação parece ser um consenso dentro da comunidade científica, como sugerem os prêmios nobels de Física de 1987, 2006 e 2011 (referentes a observações), e o prêmio mais recente de 2019 (por contribuições teóricas). Para Domingos Soares, que faz parte de um grupo minoritário de vozes mais críticas ao modelo dominante, o problema da cosmologia ainda está em aberto. Reconhecendo que as teorias alternativas não têm musculatura suficiente para ameaçar o lugar de padrão do “Big Bang”, ele critica a dificuldade de se conseguir apoio e financiamento para pesquisas que estejam fora do paradigma dominante.  

Devido aos tempos atuais em que vivemos, é importante diferenciar vozes críticas da comunidade científica de negacionismo científico. Enquanto o negacionismo está ligado à propagação coordenada de mentiras (com determinado fim político, econômico ou religioso), vozes críticas e discordantes são parte importante da ciência. Através do debate de ideias e da crítica honesta, normalmente, teorias científicas ganham musculatura e se aprimoram. Em situações mais raras, mudanças mais drásticas nas teorias dominantes podem ocorrer. 

Na qualidade de não especialistas da área, os autores desse texto seguem a teoria padrão, mas sempre com um olhar curioso na futura história da ciência.

Materiais e referências utilizadas:

Domingos Soares (entrevista) – prof. de cosmologia da UFMG e divulgador científico.

Domingos Soares, O Universo do Estrondão Quente.

Ioav Waga, Cem anos de descobertas em cosmologia e novos desafios para o Século XXI.

Kepler de Souza Oliveira Filho, O universo como um todo  – cosmologia.

João E. Steiner, Origem do universo e do homem.

John C. Mather (entrevista), Features, Webb Telescope & Big Bang.

John C. Mather, The Big Bang.