Isaac Newton e Alexander Friedmann

O GEDAI publica mais um texto da coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física / UFMG). Este é o 45º e último texto da série “Através do universo”.

O GEDAI agradece o professor Domingos Soares pelo trabalho voluntário na produção da série, que continuará disponível neste portal. Outros trabalhos e projetos de divulgação científica do autor podem ser acessados em sua página eletrônica.

Domingos Soares

12 de novembro de 2022

O sábio inglês Isaac Newton (1643-1727) propôs em meados do século 17 a primeira teoria científica de gravitação, de grande utilidade até os dias atuais. No primeiro quarto do século 20, o genial físico alemão Albert Einstein (1879-1955) apresentou uma grande melhoria no entendimento da gravitação com a sua Teoria Geral da Relatividade (TRG). Esta permitiu a formulação de modelos cosmológicos, ou seja, modelos para a história do universo físico. O matemático e cosmólogo russo Alexander Friedmann (1888-1925) foi um dos primeiros a aplicar a TRG a um universo hipotético com o objetivo de entender o universo real. O universo de Friedmann consiste de um fluido de matéria e energia homogêneo que representa o universo complexo em que vivemos. Todo o conteúdo do universo é “moído” numa espécie de poeira cósmica, o fluido de Friedmann. As equações da TRG são tremendamente simplificadas ao serem aplicadas a este fluido. Os modelos de Friedmann são a base do modelo padrão da cosmologia moderna, o modelo do Estrondão. Este modelo tem apresentado enormes problemas para se estabelecer cientificamente. É importante, então, conhecê-lo bem se quisermos oferecer alguma contribuição para a sua melhoria ou eventual substituição.

A gravitação newtoniana também permite propor um modelo do universo, bastante simplificado, que pode ser então cotejado com o modelo de Friedmann e permitir sua melhor compreensão. É o que farei aqui. Apresento as funções de energia potencial de dois modelos newtonianos análogos aos modelos cosmológicos de Friedmann. O objetivo da analogia é a discussão didática dos modelos de Friedmann sem e com “constante cosmológica”, que é representada usualmente pela letra grega λ maiúscula, i.e., Λ. Ela representa um termo de repulsão cosmológica acrescentado por Einstein, em 1917, nas equações de campo originais da TRG, com o objetivo de contrabalançar a atração gravitacional intrínseca do fluido cósmico e assim obter o seu modelo estático de universo, que foi o primeiro modelo cosmológico relativista. Os modelos de Friedmann apareceram na década de 1920.

Figura 1
À esquerda, retrato de Isaac Newton pintado pelo alemão Godfrey Kneller (1646-1723) em 1689 e Alexander Friedmann, que descobriu soluções particulares das equações da TRG, que se tornaram a base do modelo padrão da cosmologia.

Nas analogias seguintes, imaginemos toda a massa do universo iniciando o movimento de expansão a partir da origem no espaço e no tempo (R = t = 0). Newtoniamente, isto equivale a um corpo sendo lançado da origem com uma velocidade inicial qualquer e Friedmanniamente, ao Estrondão com velocidade de expansão inicial arbitrária.

Análogos dos modelos de Friedmann com Λ=0

A equação de Friedmann com Λ=0 é a solução clássica do modelo do Estrondão. O análogo newtoniano, em termos de energia potencial do universo, deve conter apenas um termo atrativo de energia gravitacional. A energia potencial do sistema, na posição R, será escrita como:

U(R) = −MG/R,

em que G é a constante universal de atração gravitacional e M é a massa do universo. O universo é modelado como uma massa pontual contendo toda a massa e as galáxias são corpos de prova, que se movem no seu campo gravitacional e possuem massa total desprezível em relação a M. Trata-se, portanto, de um modelo bastante simplificado, mas que é útil para algumas análises qualitativas.

Os universos de Friedmann aberto, plano (ou crítico) e fechado podem ser visualizados neste modelo, conforme a energia total do sistema. Teremos então:

  1. universo aberto se a energia total E>0,
  2. universo plano se a energia total E=0 e
  3. universo fechado se a energia total E<0.

Estes universos estão ilustrados na figura 2, tanto os análogos newtonianos quanto as soluções exatas das equações de Friedmann correspondentes.

Figura 2
À esquerda, a energia potencial U em função da distância R até a massa geradora do campo gravitacional. O fator de escala para os modelos de Friedmann fechado (análogo ao newtoniano com E<0), plano (E=0) e aberto (E>0) estão ao lado.

Os modelos aberto e plano representam universos espacialmente infinitos. O modelo plano recebe este nome porque a geometria espacial em grande escala é euclidiana, i.e., obedece aos postulados e teoremas da geometria de Euclides de Alexandria (c. 300 a.C.). O modelo fechado é finito e expande-se até um tamanho máximo, representado, nos dois diagramas da figura 2, por Rmax, que é um ponto de retorno pois a partir daí o modelo sofre uma contração.

Os modelos aberto e plano possuem expansão desacelerada em toda a sua evolução temporal. O modelo fechado possui uma fase inicial de expansão desacelerada e em seguida uma contração acelerada. Tudo isto pode ser entendido analisando-se a conservação da energia do sistema, que pode ser escrita como:

U(R) + K(R) = E,

onde K(R) é a energia cinética do sistema. Vemos que para energia total E ≥ 0, o sistema estará sempre desacelerado, pois, ao se expandir a partir da origem (R = 0), a energia potencial aumentará e, portanto, pela conservação da energia, a energia cinética diminuirá. Para E < 0, o sistema estará desacelerado ao se mover em direção a Rmax e estará acelerado ao retornar de Rmax.

Análogos dos modelos de Friedmann com Λ>0

Após os anos de 1990, o Estrondão foi modificado pela incorporação da constante cosmológica Λ, que visava explicar uma hipotética expansão acelerada do universo. Como vimos, Λ fornece uma repulsão, e poderia explicar a aceleração da expansão, que parecia ser indicada pelas observações.

Escreverei U(R) = UG(R) + UΛ(R), onde UG(R) representa a parte atrativa da energia potencial e UΛ(R) a parte repulsiva associada à constante cosmológica. Teremos, portanto:

U(R) = −MG/R − (1/2)R2.

Nesta analogia, a repulsão devida à presença da constante cosmológica está na forma da energia elástica de uma mola, com a diferença importante de ser um termo de energia negativa. A energia potencial elástica da mola usual é do tipo +(1/2)x², ou seja, resulta em uma força de atração para a origem. O termo UΛ(R) representa uma espécie de energia potencial “elástica” do tecido espaço-temporal, em que o sinal negativo gera uma força repulsiva.

Este análogo newtoniano nos permite visualizar tanto o universo estático de Einstein quanto o modelo atual do Estrondão com as suas fases de expansão desacelerada e transição para a expansão acelerada. A figura 3 mostra o análogo newtoniano e o diagrama de fator de escala em função do tempo para o modelo atual do Estrondão.

Figura 3
À esquerda, a energia potencial U em função da distância R até a massa geradora do campo gravitacional, com constante cosmológica Λ > 0. O fator de escala para o modelo do Estrondão plano, análogo ao newtoniano com E = 0 está ao lado. A distância RT no diagrama da esquerda representa o raio do universo estático de Einstein, que ocorre para E < 0 = ET, ou seja, um sistema ligado ou finito. Este mesmo RT representa, para um sistema não ligado (e.g., E = 0), um universo que possui uma transição de uma expansão desacelerada (R < RT) para uma expansão acelerada (R > RT). A transição entre as duas fases ocorre no fator de escala correspondente RT, mostrado no diagrama da direita. Note a mudança da concavidade da curva fator de escala × t em RT.

Se o sistema possuir energia total E > ET, por exemplo, E = 0, e vier em expansão a partir da origem, ele realizará uma expansão desacelerada até RT e acelerada depois de RT. Senão, vejamos.

Ao se expandir, o sistema “sobe” a crista de energia potencial até RT e em seguida “despenca” pela crista abaixo. Na subida, a energia potencial U(R) cresce e, portanto, K(R) diminui, mantendo a energia total E constante (cf. figura 3 e conservação da energia). Vemos então que o sistema está desacelerado até RT. Um raciocínio semelhante mostra que depois de RT o sistema está acelerado.

Um pouco mais:


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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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