O tamanho aparente do Sol na Terra plana

Agostinho Gomes da Silva

Na Figura 1 temos uma representação (fora de escala) da órbita da Terra em torno do Sol.

Figura 1 – Órbita da Terra em torno do Sol. Indica-se as datas do início das estações e a localização aproximada do periélio e do afélio da órbita da Terra. Crédito da figura: Maristela Rodrigues (@marismerk)

A partir da Figura 1, recordemos alguns elementos básicos sobre a órbita da Terra em torno do Sol:


a) A órbita da Terra em torno do Sol não é circular e sim elíptica. O Sol ocupa um dos focos da elipse. Para maior clareza, a excentricidade (“achatamento”) dessa elipse está exagerada na Figura 1 e, dessa forma, o Sol não está tão distante do centro da elipse como poderíamos pensar apenas olhando a figura. Na realidade, a forma da órbita Terra pouco se desvia de uma circunferência.


b) O periélio é o ponto da órbita terrestre no qual a Terra está mais próxima do Sol e o afélio é o ponto da órbita terrestre no qual a Terra se encontra mais distante do Sol. As datas do periélio e afélio variam de ano para ano, mas ocorrem por volta do dia 4 de janeiro e 4 de julho respectivamente.

c) O eixo de rotação da Terra é inclinado de cerca de 23,45 graus em relação à reta perpendicular ao plano da sua órbita (o plano da eclíptica). Ou, de outro modo, a inclinação do plano do equador terrestre em relação ao plano da eclíptica é de 23,45 graus.

Lembramos que é essa inclinação do eixo da órbita da Terra que determina as estações do ano e não a distância Terra-Sol como se poderia pensar em um primeiro momento, pois, quando é verão no hemisfério norte, é inverno no hemisfério sul e, quando é outono no hemisfério norte, é primavera no hemisfério sul. Se a distância Terra-Sol fosse o fator determinante das estações do ano, então poderíamos esperar que o verão, por exemplo, acontecesse simultaneamente nos dois hemisférios da Terra. Isso só faria sentido caso a inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao plano da eclíptica fosse de 90 graus (ou, de outro modo, se a inclinação do Equador terrestre em relação a eclíptica fosse de zero grau).

Vamos considerar agora a composição fotográfica mostrada na Figura 2. Ela foi realizada por Enrique Luque Cervigón usando duas fotografias feitas em Madrid, no ano de 2009. A parte esquerda da imagem é de uma fotografia do Sol em 3 de janeiro de 2009, quando a Terra estava próxima do periélio (que ocorreu 4 de janeiro daquele ano). A parte direita da imagem é formada por uma fotografia tomada em 4 julho de 2009, data em que a Terra se encontrava no afélio. Podemos notar claramente a variação do diâmetro aparente do Sol entre o periélio e o afélio. Como pode ser observado, o diâmetro aparente do Sol é maior no periélio (em janeiro) do que no afélio (em julho). Essa variação é em torno de 3%.

Figura 2 – Variação do diâmetro aparente do Sol entre o periélio e o afélio. Imagens tomadas a partir de Madrid. Apod de 3 julho de 2009. Crédito: Enrique Luque Cervigón.

Para concluirmos essa exposição inicial, temos que as datas de início das estações são denominadas solstício (de verão ou inverno conforme o caso) ou equinócio (de outono ou primavera conforme o caso) e essas datas não correspondem às datas do periélio ou do afélio. Tal como as datas do periélio e do afélio, as datas de início das estações podem variar um pouco de ano para ano.

Adotando agora um ponto de vista geocêntrico, podemos dizer que, durante o solstício de verão no hemisfério norte (solstício de inverno no hemisfério sul), o Sol encontra-se sobre Trópico de Câncer. Nessa data, para um observador situado em uma latitude média do hemisfério norte (por exemplo, Madrid) o Sol nasce e se põe em posições extremas ao norte do Equador.

Com o avanço das estações, por volta do dia 22 de setembro, teremos o equinócio do outono no hemisfério norte (equinócio da primavera no hemisfério sul), com o Sol situando-se sobre o Equador (nos equinócios, o observador verá o Sol nascer no ponto cardeal leste e se por no ponto cardeal oeste).

Finalmente, por volta do dia 21 de dezembro, teremos o solstício de inverno no hemisfério norte (solstício de verão no hemisfério sul), com o Sol situando-se sobre Trópico de Capricórnio. O observador verá o Sol nascer e se pôr em outras posições extremas, mas agora ao sul do Equador.

O que dissemos anteriormente pode ser visto na Figura 3. Essa figura representa a esfera celeste, na qual projetamos o Trópico de Câncer, o Trópico de Capricórnio e o Equador terrestre. A projeção do Equador terrestre na esfera celeste é o Equador celeste (em azul) e as projeções dos Trópicos de Câncer e Capricórnio estão representadas em amarelo. Indicamos ainda a posição do Sol ao meio-dia durante os solstícios de verão e inverno e também durante os equinócios, para a latitude de Madrid. Podemos também observar que durante o solstício de verão, o Sol atinge uma altura máxima no céu maior que a altura máxima que ele alcança nos equinócios e que essa última altura é, por sua vez, maior que a altura máxima que ele alcança no solstício de inverno.

Figura 3. Percurso do Sol durante os solstícios de verão e inverno no hemisfério norte. O Equador celeste está e azul e os Trópicos de Câncer e Capricórnio estão em amarelo. A posição do Sol é a do meio-dia para a latitude de Madrid.

Considere agora a Figura 4, que representa a Terra de acordo com o ponto de vista dos terraplanistas (ou terra-chatos). Na verdade trata-se apenas de um tipo de projeção cartográfica do globo terrestre, a chamada projeção azimutal, tomada a partir do polo norte terrestre. Nesta figura, a pequena circunferência em branco assinala a Península Ibérica, no meio da qual encontra-se (aproximadamente) a cidade de Madrid; as demais circunferências são o Trópico de Câncer (em amarelo), o Equador (em vermelho) e o Trópico de Capricórnio (em alaranjado).

Figura 4 – A terra plana (ou chata). A pequena circunferência em branco indica a
Península Ibérica. O Trópico de Câncer está em amarelo, o Trópico de Câncer em
alaranjado e o Equador é representado em vermelho.

A partir do modelo da Terra plana (ou chata) da Figura 4 e das considerações feitas até aqui, podemos dizer o seguinte sobre o movimento anual do Sol: em 21 de junho o Sol localiza-se sobre o Trópico de Câncer. Alguns dias depois, ainda na vizinhança do Trópico de Câncer, estará no afélio (início de julho) e portanto “mais próximo” de Madrid do que durante o periélio (que ocorre no início de janeiro).

Em de dezembro, o Sol localiza-se sobre o Trópico de Capricórnio (em 21 de dezembro) e no periélio (início de janeiro) o Sol ainda encontra-se nas vizinhanças do mesmo trópico, portanto, “mais distante” de Madrid.

Assim concluímos – de acordo com o modelo da Terra plana (ou chata) e levando em conta que um objeto nos parecerá tanto maior quanto mais próximo esteja de nós – que para um observador situado em Madrid, o tamanho aparente do Sol em julho deve ser necessariamente maior do que o tamanho aparente do Sol em janeiro.

Voltando agora à Figura 1, vemos que essa não conclusão se verifica, pois naquela imagem temos que, para um observador situado em Madrid, o tamanho aparente do Sol é maior em janeiro do que em julho. Portanto, temos uma contradição entre os dados observacionais e o modelo da Terra plana.

A conclusão é clara: devemos rejeitar o modelo da Terra plana (ou chata), pois este modelo é insustentável quando confrontado com uma simples observação experimental.