ATRAVÉS DO UNIVERSO: Hubble e a régua cósmica
O GEDAI publica o décimo terceiro texto da série “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.
Hubble e a régua cósmica
14 de novembro de 2018
Mencionei na coluna do mês passado que Hubble “descobriu” as galáxias ao determinar as distâncias até três delas, e verificar que elas eram significativamente maiores que as dimensões da Via Láctea. Elas não poderiam então fazer parte do nosso sistema galáctico. A propósito, uma delas era a grande nebulosa de Andrômeda, a galáxia número 31 do catálogo do astrônomo francês Charles Joseph Messier (1730–1817), conhecida como M31. Esta galáxia goza da peculiaridade extraordinária de ser o objeto extragaláctico mais distante visível a olho nu.
O que é importante ressaltar é que Hubble, estando no meio de um acalorado debate sobre a natureza das nebulosas, deveria encontrar um modo inequívoco de obter as distâncias até elas. E ele o fez, usando a própria arma do inimigo, i.e., de seu concorrente imediato. Vejamos como isto se deu.
Harlow Shapley havia mostrado que os aglomerados estelares globulares — conjuntos de centenas de milhares de estrelas distribuídas esfericamente, como uma bola — se espalhavam aleatoriamente ao redor de um ponto da Via Láctea, o seu centro. Ele fez isto determinando observacionalmente as distâncias até os aglomerados, utilizando o método recém descoberto por Henrietta Leavitt, das estrelas variáveis Cefeidas. Em resumo, ele identificava Cefeidas nos aglomerados — como, por exemplo, Ômega de Centauro mostrado abaixo —, media os seus períodos de variação de brilho, e daí chegava às distâncias (o método das variáveis Cefeidas para a determinação de distâncias está descrito no Através do Universo do mês de outubro de 2017).

A galáxia espiral M104, mostrada na figura a seguir, possui também um sistema de aglomerados globulares — como em geral todas as galáxias de grande porte —, os quais servem, exatamente como na Via Láctea, para indicar a posição do centro galáctico. A enorme vantagem da Via Láctea é que nela as estrelas dos aglomerados podem ser observadas individualmente, e entre elas pode-se identificar estrelas variáveis Cefeidas, bastante úteis para a determinação de distâncias.

Shapley verificou que os seus aglomerados se distribuíam numa esfera de 300.000 anos-luz de diâmetro, cujo centro estava localizado na constelação austral de Sagitário. Shapley acreditava, e defendia com unhas e dentes, que este sistema era todo o universo. Desta maneira, entendemos a sua posição no “Grande Debate” (cf. coluna do mês passado): ele defendia que as nebulosas espirais eram objetos de sua Galáxia e, consequentemente, defendia um universo de dimensões bem mais modestas do que o de seus opositores. O que Hubble fez foi identificar variáveis Cefeidas em três galáxias do Grupo Local, determinar as suas distâncias e verificar que elas eram muito maiores que os 300.000 anos-luz do universo de Shapley. Como poderia Harlow Shapley discordar dos resultados de Hubble? As curvas de luz de variáveis Cefeidas não deixam margem para dúvidas.
Hubble aumentou o tamanho do universo para dimensões inefáveis, desbancou a arrogância individualista de seu rival, e nunca utilizou de forma regular o termo “galáxia”, por ser este o termo preferido por Shapley para se referir às nebulosa extragalácticas. Ele usou até a morte a expressão “nebulosa extragaláctica”, conforme o historiador da ciência Gale Christianson (1942-2010) nos revela em sua biografia do gênio desbravador do reino extragaláctico.
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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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