ATRAVÉS DO UNIVERSO: Eratóstenes e Newton, a ciência em ação

domingosO GEDAI publica o vigésimo terceiro texto da série ATRAVÉS DO UNIVERSO, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Fí­sica/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

Eratóstenes e Newton, a ciência em ação

Domingos Soares
14 de maio de 2020

O grego Eratóstenes de Cirene (276 a.C.-194 a.C.) e o inglês Isaac Newton (1643-1727), separados por quase 2000 anos, vão nos mostrar um pouco sobre a atividade científica. Tomarei dois exemplos, entre as inúmeras atividades dos dois grandes cientistas.

Eratóstenes, vivendo em Alexandria, descobriu em suas leituras — era diretor da Biblioteca de Alexandria — que, no solstício de verão (por volta de 21 de junho, no hemisfério norte) ao meio dia, o Sol se localizava no zênite na cidade de Assuã. Ou seja, uma vara perpendicular ao solo não apresentava sombra alguma. Mas em Alexandria, na mesma data e horário, uma vara vertical apresentava uma sombra sob um ângulo de 7,2° com a vara. Ele imediatamente viu nesta ocorrência uma oportunidade de se medir a circunferência da Terra, pois já se sabia àquela época que a Terra possuía uma forma, se não perfeitamente esférica, bem próxima da esférica. De acordo com o esquema da figura, a circunferência da Terra pode ser calculada pela expressão C = (360°/a)×d, onde d é a distância entre Alexandria e Assuã.

Ele não conhecia d, mas pagou a um profissional do ramo para medir em passos a distância entre Alexandria e Assuã, o que foi realizado com grande cuidado e profissionalismo. Esta empreitada mereceria uma atenção detalhada, mas não poderei fazê-lo aqui (notem que, à parte a enorme distância entre as cidades — cerca de 850 km, conforme o mapa abaixo —, havia a extraordinária complicação de se saber a direção correta da caminhada). O resultado obtido por Eratóstenes para a circunferência da Terra foi de 39.700 km, bastante próximo do valor correto de aproximadamente 40.000 km, com um erro de menos de 1%. O mapa do Egito mostra que Alexandria e Assuã não estão exatamente sobre o mesmo meridiano terrestre, o que foi uma das causas de erro na determinação da circunferência. Precisamos também considerar o erro na medida da quantidade de passos que o nosso heroico caminhante obteve.

Alexandria e Assuã (Aswan) estão assinaladas pelas elipses e distam cerca de 850 km, segundo a escala mostrada no canto inferior direito.
Alexandria e Assuã (Aswan) estão assinaladas pelas elipses e distam cerca de 850 km,
segundo a escala mostrada no canto inferior direito.

O maior sábio da ciência moderna, Isaac Newton, mostrou que a Terra na verdade não era exatamente uma esfera, mas sim aproximadamente um elipsoide de revolução. O raio polar é ligeiramente menor que o raio equatorial e ele calculou a razão entre os dois.

A obra máxima de Newton é intitulada Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, dividido em três partes. O Livro I contém as definições, as leis do movimento e seus corolários, o Livro II aplica as leis para o movimento de corpos em meios resistivos, e o Livro III é intitulado Sistema do Mundo e apresenta a sua cosmologia. É lá que aparece a lei da gravitação universal, a dedução das leis de Kepler, a análise do movimento dos planetas e cometas, o cálculo das marés oceânicas e muitas outras aplicações.

No Livro III encontramos a Proposição XIX que reza “Para achar a proporção do eixo de um planeta para o diâmetro a ele perpendicular.” Nesta proposição ele calcula a razão entre os raios polar e equatorial da Terra. A figura que Newton fez para ilustrar o problema está apresentada aqui. O “eixo” é o diâmetro polar PQ, em torno do qual a Terra gira com período já conhecido na época com grande precisão.

Newton imagina um canal de água ao longo dos raios polar e equatorial, o canal ACQqca, e mostra que, devido à força centrífuga causada pela rotação terrestre, o peso das colunas em cada parte do canal era diferente pela razão 289/288. A partir desta razão e utilizando outras proposições e corolários já demonstrados anteriormente ele mostra que “… o diâmetro da Terra no equador está para o seu diâmetro de polo a polo como 230 para 229.” Newton não fica só no cálculo teórico da razão entre os raios, mas apresenta inúmeros dados de distâncias entre várias localidades na superfície terrestre para justificar o seu resultado.

Hoje sabemos que a Terra possui uma forma bem mais complicada do que um simples elipsoide de revolução. Tão detalhado é o conhecimento da forma da Terra que o sólido que a representa recebeu um nome especial, qual seja, o geoide.

Vemos, portanto, que assim opera a ciência, ou seja, usando modelos matemáticos ao lado de dados empíricos para sustentar, ou não, os modelos. É a vela acesa de Carl Sagan, de que já falamos, e que serve para iluminar as sombras do desconhecido.

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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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