ATRAVÉS DO UNIVERSO: Um passeio de galáxias

domingosO GEDAI publica o décimo nono texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

Um passeio de galáxias

Domingos Soares

13 de setembro de 2019

Vamos dar um passeio? Então eu proponho um passeio de galáxias — na verdade, um passeio por um modelo em escala de um sistema de galáxias. O sistema real reduzido é o aglomerado de galáxias de Virgem, a partir da Via Láctea, localizada em sua periferia, até o seu centro, aproximadamente onde se situa a galáxia elíptica gigante M87.

A utilização de modelos em escala para o ensino, de modo geral, é muito difundida. Particularmente, modelos em escala do sistema solar são bastante comuns, tanto em escala de tamanho de uma mesa de sala de aula, quanto em escalas maiores da ordem de quilômetros. Neste último caso, podemos citar o modelo planetário de St.-Luc na Suíça, com 6 km, o do Museu de Ciência de Boston nos Estados Unidos, 15 km, e o Passeio Planetário Carl Sagan em Ithaca, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos com 1,2 km. Todos estes modelos incluem em seus roteiros Plutão que ainda não havia sido reclassificado como planeta anão nas datas de suas criações.

Inspirado nestes modelos, especialmente no Passeio Planetário Carl Sagan, de que tomo emprestado a terminologia de “estação” para as paradas do passeio, proponho o “Passeio de Galáxias de Virgem” (daqui para frente referido como PGV). O PGV é um modelo em escala do aglomerado de Virgem desde a sua periferia, onde se situa o Grupo Local de galáxias, e nele a Via Láctea, até o centro do aglomerado de Virgem representado pela fabulosa galáxia gigante elíptica Messier 87, também conhecida como NGC 4486 e radiofonte Virgem A, a mais poderosa fonte de ondas de rádio do aglomerado de Virgem.

Assim como os passeios planetários solares representam o nosso lar planetário, o PGV representa o nosso lar extragaláctico, ou seja, o lar do grupo de galáxias onde está a nossa Via Láctea.

O Passeio

O aglomerado de galáxias de Virgem é um enorme grupo de aproximadamente 2.000 galáxias, reunidas pela atração gravitacional mútua. O seu nome vem da região da esfera celeste onde se situa, a saber, na constelação zodiacal de Virgem. A galáxia da Via Láctea localiza-se na periferia de aglomerado de Virgem no Grupo Local.

O PGV inicia-se na Via Láctea e termina no centro do aglomerado de Virgem em M87. Ele constitui-se de 11 estações, cada uma delas representada por uma galáxia, 5 delas do Grupo Local e 6 do restante do aglomerado de Virgem. As galáxias do Grupo Local foram escolhidas pela sua proeminência óbvia, i.e., são as mais conhecidas do Grupo. As outras galáxias de Virgem foram escolhidas, à exceção de M87 no centro, de modo a abranger uma variedade de distâncias mais ou menos uniforme entre o Grupo Local e M87. O Passeio está mostrado na Tabela I e na figura 1. O Passeio aqui exemplificado possui 4 km, o que corresponde a uma escala em extensão de 54×106 ano-luz/4 km = 130 bilhões de bilhões por 1 (cf. dados da estação 11).

Tabela I – Passeio de Galáxias de Virgem

Estação Galáxia Distânciaa da
Via Láctea (ano-luz)
Distânciab em
escala (metro)
1 Via Láctea
2 GNMc 0,16×106 (904) 12
3 PNMd 0,20×106 (518) 15
4 Andrômeda (M31) 2,6×106 (325) 190
5 Triângulo (M33) 2,9×106 (119) 210
6 IC 3718 22×106 (1) 1.600
7 NGC 4488 26×106 (1) 1.900
8 NGC 4064 33×106 (14) 2.400
9 NGC 4438 44×106 (5) 3.200
10 M49 52×106 (63) 3.800
11 M87 54×106 (103) 4.000

Notas: (a) Distâncias médias extraídas de NASA/IPAC Extragalactic Database (NED); o número entre parênteses é o número de distâncias encontradas em NED (consulta em fevereiro de 2016). (b) Escala em que a distância Via Láctea–M87 é 4.000 m. (c) Grande Nuvem de Magalhães. (d) Pequena Nuvem de Magalhães.

 

Figura 1 Passeio de Galáxias de Virgem mostrado de forma a se ter uma sensação das distâncias entre as galáxias do Passeio. Os dois círculos externos representam as cinco galáxias do Grupo Local. As linhas mais grossas que traçam estes dois círculos indicam que as distâncias entre as galáxias, nesta escala, são muito pequenas. O círculo mais externo representa a Via Láctea e as Nuvens de Magalhães e o próximo círculo as galáxias do Triângulo (M33) e Andrômeda (M31).
Figura 1
Passeio de Galáxias de Virgem mostrado de forma a se ter uma sensação das distâncias entre as galáxias do Passeio. Os dois círculos externos representam as cinco galáxias do Grupo Local. As linhas mais grossas que traçam estes dois círculos indicam que as distâncias entre as galáxias, nesta escala, são muito pequenas. O círculo mais externo representa a Via Láctea e as Nuvens de Magalhães e o próximo círculo as galáxias do Triângulo (M33) e Andrômeda (M31).

 

 As distâncias extraídas de NED são valores médios de muitas medidas. Os métodos utilizados para a determinação das distâncias são variados e utilizam propriedades físicas diversas. Alguns destes métodos são mencionados a seguir apenas para ilustração e o leitor interessado em mais detalhes poderá facilmente encontrá-los na literatura científica especializada: método das estrelas mais brilhantes, das variáveis cefeidas, do diagrama cor-magnitude, da função de luminosidade de aglomerados globulares, das estrelas novas, da ponta do ramo das gigantes vermelhas, de Tully-Fisher, de Faber-Jackson, etc. (alguns deles foram utilizados, por exemplo, na obtenção das medidas de distância de M87 catalogadas no NED — ver ned.ipac.caltech.edu/cgi-bin/).

A figura 2 mostra um mapa com as 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de Virgem preparado pelo estadunidense Richard Powell. Seis galáxias que fazem parte do Passeio (estações 6 a 11) estão assinaladas e podem ser confrontadas com os dados da Tabela I.

 

Figura 2 As 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de galáxias de Virgem. As galáxias do PGV estão assinaladas. Note que a proximidade das galáxias entre si no mapa não significa necessariamente proximidade física, mas apenas proximidade aparente projetada no plano do céu. Por exemplo, M87 e NGC 4438, muito próximas no mapa, estão na realidade bastante separadas; o mesmo ocorre com M49 e NGC 4488 (cf. Tabela I). A barra branca que aparece no canto inferior direito indica a escala do mapa: 1 grau, equivalente a duas vezes o diâmetro aparente da Lua Cheia. O aglomerado de Virgem ocupa uma área circular projetada no céu de aproximadamente 10 graus de diâmetro. Â distância do aglomerado 1 grau é equivalente a 1×106 ano-luz.
Figura 2
As 600 galáxias mais brilhantes do aglomerado de galáxias de Virgem. As galáxias do PGV estão assinaladas. Note que a proximidade das galáxias entre si no mapa não significa necessariamente proximidade física, mas apenas proximidade aparente projetada no plano do céu. Por exemplo, M87 e NGC 4438, muito próximas no mapa, estão na realidade bastante separadas; o mesmo ocorre com M49 e NGC 4488 (cf. Tabela I). A barra branca que aparece no canto inferior direito indica a escala do mapa: 1 grau, equivalente a duas vezes o diâmetro aparente da Lua Cheia. O aglomerado de Virgem ocupa uma área circular projetada no céu de aproximadamente 10 graus de diâmetro. Â distância do aglomerado 1 grau é equivalente a 1×106 ano-luz.

 

As figuras 3 e 4 mostram a Via Láctea (a primeira estação) e as estações 10 e 11 (a última) do PGV. As imagens de todas as galáxias do PGV, bem como mais detalhes e referências bibliográficas, estão no meu artigo Passeio de Galáxias de Virgem.

fig3

fig4
Figura 3 . Primeira estação, Via Láctea, uma galáxia espiral vista de perfil. No alto, fotografada no visível e em baixo no infravermelho. A imagem no visível privilegia as estrelas jovens, de grande massa e muito brilhantes. Deve-se notar as faixas e bandas escuras constituídas de poeira interestelar, que obstruem a luz das estrelas. A imagem no infravermelho mostra, principalmente, as estrelas de pequena massa, muito velhas, responsáveis pela maior parte da massa estelar da Via Láctea. O Sol está entre elas. Uma pergunta: estaríamos nós — o Sol — em algum local destas imagens?

 

Figura 4. A décima estação, M49, galáxia elíptica gigante.

Figura 5. Estação final do PGV, é uma galáxia elíptica gigante, que apresenta enorme atividade energética, sendo fonte potente de raios X e de ondas de rádio.
Figura 4.  No alto, a décima estação, M49, galáxia elíptica gigante. Em baixo, M87, a estação final do PGV, é uma galáxia elíptica gigante, que apresenta enorme atividade energética, sendo fonte potente de raios X e de ondas de rádio.

 

O PGV apresentado na Tabela I supõe a distância Via Láctea-M87 de 4.000 m. Qual seria a extensão mínima para o Passeio, que ainda possibilitasse uma identidade para cada galáxia, principalmente as do Grupo Local? Este limite mínimo deve permitir que haja espaço para que as 5 galáxias do Grupo Local possam ser apresentadas em escala reduzida, de modo a se poder ver detalhes de sua estrutura morfológica. Com esta restrição, sugere-se que o PGV mínimo deva ter 1.000 m de extensão. Desta forma, a Via Láctea e as Nuvens de Magalhães poderiam ser perfeitamente acomodadas no interior de um aposento do tamanho de uma sala de aula regular (as distâncias na última coluna da Tabela I devem ser divididas por 4). Sugiro então três possibilidades de PGVs:

  1. Dentro do espaço interno do CEFET/Campus I, um passeio de 1.000 m. As galáxias do Grupo Local (Via Láctea, GNM, PNM, M31 e M33) poderiam estar em algum local nobre da escola ou na parte descoberta do Campus.
  2. Em Belo Horizonte, da Praça Raul Soares ao CEFET/Campus I, Nova Suíça, um passeio de 3,9 km, via Av. Amazonas. As galáxias do Grupo Local poderiam estar em qualquer um dos extremos do passeio, à escolha dos realizadores.
  3. Da Praça Raul Soares à Praça do Papa, Mangabeiras, um passeio de 5,1 km, via Av. Augusto de Lima e Av. Afonso Pena. Da mesma forma, as galáxias do Grupo Local poderiam estar em qualquer um dos extremos do passeio.

Uma observação final: duas galáxias, IC 3718 (estação 6) e NGC 4488 (estação 7), possuem apenas uma medida de distância (cf. Tabela I). Novas medidas são necessárias para que se confirme a posição destas galáxias no PGV. Deve-se levar este fato em conta na construção do Passeio, admitindo-se a possibilidade de futura relocalização destas estações.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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