ATRAVÉS DO UNIVERSO: A Catedral de Maringá e o foguete Saturno V

domingosO GEDAI publica o décimo oitavo texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

A Catedral de Maringá e o foguete Saturno V

Domingos Soares

14 de agosto de 2019

Há quase dez anos fiz uma visita à Universidade Estadual de Maringá, PR, a convite de meu colega Marcos César Danhoni Neves, professor de física e autor de vários livros de ensino e de divulgação de física e de astronomia. Os eventos foram o I International Meeting on Art-Science e o III Workshop Paranaense de Arte-Ciência, realizados de 25 a 27 de novembro de 2010.

Não tratarei aqui destes extraordinários eventos, que contaram com o apoio da SBPC e do governo do Paraná, mas de algo que ocorreu durante a minha estada em Maringá por ocasião dos eventos e que, como veremos, está com eles muito relacionado.

Recebi o convite do Marcos para participar de uma das mesas redondas com a apresentação de uma palestra intitulada “Uma nova visão do universo”, onde abordei os avanços da cosmologia moderna e suas limitações atuais.

O primeiro personagem da presente história apareceu no caminho entre o aeroporto e o hotel. Marcos chamou a minha atenção para a Catedral Basílica de Maringá cuja construção de forma cônica é monumental e nos causa admiração. Imediatamente fiz o propósito de visitá-la, assim que terminasse as obrigações que haviam me levado a Maringá.

Na visita, admirei o edifício e a minha primeira curiosidade foi a respeito da altura da construção. Um funcionário da igreja me informa: são 114 metros de construção mais 10 metros de uma cruz assentada sobre o vértice do cone, totalizando 124 m! O diâmetro externo da construção, na base, é de 50 m.

Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, Praça da Catedral, Av. Tiradentes, 500, Centro, Maringá, Paraná, em diferentes perspectivas.

Imediatamente veio à minha mente a missão Apollo, aquela que levou o homem pela primeira vez a pisar em solo extraterreno. O foguete Saturno V, propulsor dos módulos lunares, possuía exatamente 110,6 m, incluindo os módulos, e um diâmetro de 10,1 m. Isto era bastante interessante, pensei, pois a catedral serviria de excelente ilustração — concreta — da enorme grandeza do foguete necessário para colocar três homens em órbita de nosso satélite natural. A forma da catedral — como um foguete — e a sua altura, que quase coincidia com a do gigantesco foguete propulsor das Apollos, eram realmente bastante convenientes para a discussão das enormes energias envolvidas naquelas missões espaciais.

À esquerda, o foguete Saturno V em sua “praça” de lançamento. À esquerda, Saturno V, em outra perspectiva.

Comentei o caso com o Marcos e ele disse algo que me pareceu surpreendente: “— Realmente, o projeto arquitetônico da catedral foi inspirado na corrida espacial”.

Confesso — e o faço com certo constrangimento —, não acreditei. Corri então ao “pai dos burros” moderno, a internet. E, obviamente, o Marcos estava certo. O projeto arquitetônico era de 1958 e fora inspirado no projeto espacial Sputnik da antiga União Soviética. E a inspiração era bastante adequada, pois os soviéticos, por sua vez, se inspiraram na palavra russa “Poustinikki”, que significa, apropriadamente, “peregrino que se afasta do mundo para ficar mais perto de Deus”. A partir dela, uma simples troca de letras levou a “Spoutinikki”, ou, Sputnik!

A pedra fundamental da catedral foi lançada em 15 de agosto de 1958, e a construção prolongou-se de 1959 a 1972.

Podemos dizer que, quase profeticamente, as dimensões da construção prenunciavam as dimensões envolvidas na missão Apollo, que se concretizariam cerca de 10 anos após a concepção inicial do projeto da catedral, realizado pelo arquiteto José Augusto Belucci.

Vemos aí um excelente exemplo de diálogo salutar e instigante entre religiosidade, ciência, tecnologia e arte. Um projeto arquitetônico de uma imponente catedral inspirado num, igualmente imponente, projeto científico e tecnológico. E que extrapolando os limites de sua época e inspiração — o Sputnik — antecipava a grandiosidade do futuro — o Programa Apollo, projeto americano da NASA, que aconteceria entre 1961 e 1972, e cujo momento maior foi o pouso do Módulo Lunar da Apollo 11, com dois astronautas, no solo da Lua em 20 de julho de 1969.

Aqui em Belo Horizonte, podemos ter uma ideia concreta da grandiosidade das dimensões da catedral de Maringá e do foguete Saturno V. Basta olharmos o mais alto dos edifícios do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek. Ele está de frente para a Praça Raul Soares e possui 36 andares com 100 m de altura. A visão é particularmente facilitada pelo fato de que o edifício está isolado.

E se você quiser ter uma noção mais realista do conjunto Saturno V mais Apollo 11, ao contemplar o edifício de 100 m, imagine acrescentar mais cerca de 10 m, acima de seu teto, para abrigar os módulos de comando e lunar da Apollo 11. E poderemos aí, sim, perceber a magnitude do empreendimento realizado pelos americanos e admirar a coragem e competência técnica dos três engenheiros/astronautas que conduziram a Apollo 11.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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