ATRAVÉS DO UNIVERSO: Tycho Brahe e a Praça Raul Soares

domingosO GEDAI publica o décimo sétimo texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

Tycho Brahe e a Praça Raul Soares

Domingos Soares

13 de junho de 2019

Tycho Brahe (1546-1601), astrônomo dinamarquês, foi o maior gênio da astronomia observacional, antes da era dos telescópios. Galileu Galilei (1569-1642) foi o primeiro a utilizar o telescópio — uma luneta — em 1609. Todas as observações astronômicas de Tycho Brahe foram realizadas a olho nu, com o auxílio de instrumentos de grandes dimensões, que ele próprio projetou e fez construir. O mais famoso deles é o grande “Quadrante Mural” ou “Quadrante Tychoniano”. Trata-se de um quadrante — um quarto de um círculo — de latão, graduado em minutos de arco, com um raio de quase dois metros, fixo em uma parede, dai o seu nome, “Mural”. Todos os instrumentos de Tycho Brahe são apresentados em sua obra máxima intitulada, em latim, “Astronomiae Instauratae Mechanica” (1598), ou, “Instrumentos para a Restauração da Astronomia”.

A grande virtude de Tycho Brahe foi a obsessão pela precisão das medidas astronômicas. Para atingir este objetivo ele tinha a convicção de que necessitava de bons instrumentos. E dedicou a sua vida a construí-los e a realizar observações astronômicas, que, eventualmente, mudaram a face do mundo. As suas observações das posições do planeta Marte, durante anos seguidos, possibilitaram ao astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) a formulação das leis empíricas do movimento planetário.

O grande “Quadrante Mural” ou “Quadrante Tychoniano”. Trata-se de um quadrante de latão, com um raio de quase dois metros, fixo em uma parede, dai o seu nome, “Mural”. A pintura é do cartógrafo e pintor holandês Jan Blaeu, de Amsterdam, que reproduziu em cores uma ilustração, em preto e branco, do livro de Tycho Brahe, “Astronomiae Instauratae Mechanica” (1598), onde são apresentados os instrumentos do astrônomo.
O grande “Quadrante Mural” ou “Quadrante Tychoniano”. Trata-se de um quadrante de latão, com um raio de quase dois metros, fixo em uma parede, dai o seu nome, “Mural”. A pintura é do cartógrafo e pintor holandês Jan Blaeu, de Amsterdam, que reproduziu em cores uma ilustração, em preto e branco, do livro de Tycho Brahe, “Astronomiae Instauratae Mechanica” (1598), onde são apresentados os instrumentos do astrônomo.

As famosas “leis de Kepler” representam de forma simples a síntese de todas as exaustivas observações do astrônomo dinamarquês. A simplicidade só foi atingida quando Kepler colocou a referência do movimento planetário no Sol, e não na Terra, que era a idéia dominante na época. Representou portanto um sucesso da teoria heliocêntrica para o sistema solar.

As leis de Kepler foram posteriormente explicadas pelas teorias desenvolvidas pelo grande filósofo e cientista inglês Isaac Newton (1643-1727).

Só este fato — o sucesso das leis planetárias — garante a Tycho Brahe um lugar permanente na memória científica da Humanidade.

A sua paixão pela astronomia iniciou-se cedo e foi deflagrada pela visão do eclípse solar de 21/08/1560. Impressionou-o sobremaneira o fato de tão extraordinário fenômeno ter sido predito! Observações astronômicas eram importantes, foi o que aprendeu, e, portanto deviam ser realizadas com o mais extremo cuidado e rigor.

Em 1572, outro fato importante em sua trajetória rumo ao seu destino: avistou uma supernova, uma estrela em explosão. Esta supernova é conhecida como a “supernova de Tycho”.

Tycho Brahe, posuindo título de nobreza na corte dinamarquesa, recebeu enorme apoio dos monarcas dinamarqueses para os seus empreendimentos astronômicos. Construiu um observatório na ilha de Ven — atualmente pertencente à Suécia —, ao qual ele denominou “Uraniborg”, ou, “Castelo Celeste”. Além de seus gigantescos instrumentos astronômicos (quadrantes e sextantes, fixos e móveis, esferas armilares), destinados a medir as posições angulares dos corpos celestes, o castelo possuía laboratórios de alquimia, oficinas mecânicas, etc.

Uma característica interessante de Uraniborg foi o seu planejamento arquitetônico. O castelo foi construído em perfeito alinhamento com os pontos cardeais. Esta disposição facilitava a distribuição dos instrumentos astronômicos no observatório.

Hoje em dia restaram apenas ruínas de Uraniborg. Mesmo assim é possível notar claramente esta característica da construção. Uma visão dos restos de Uraniborg é possível com a utilização de observações por satélite. Utilizando-se a ferramenta de domínio público Google Earth pode-se ter uma visão privilegiada do local e notar a perfeita orientação geográfica do sítio.

Ruínas de Uraniborg, o Castelo Celeste de Tycho Brahe, como seria avistado de uma altitude de 279 metros. Note que as alamedas principais do castelo se alinham perfeitamente com os pontos cardeais, indicados no canto inferior esquerdo da imagem. Pode-se ver, espalhados pelo castelo, configurações circulares — pequenas praças —, onde os instrumentos astronômicos eram posicionados.
Ruínas de Uraniborg, o Castelo Celeste de Tycho Brahe, como seria avistado de uma altitude de 279 metros. Note que as alamedas principais do castelo se alinham perfeitamente com os pontos cardeais, indicados no canto inferior esquerdo da imagem. Pode-se ver, espalhados pelo castelo, configurações circulares — pequenas praças —, onde os instrumentos astronômicos eram posicionados.

E é aqui que a Praça Raul Soares entra na história. O engenheiro paraense Aarão Reis (1853-1936) planejou e construiu a cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. A cidade, localizada onde já havia um povoado, o Curral D’El Rei, foi inaugurada em 1897, recebendo o nome de Cidade de Minas. Este perdurou até 1891, quando passou a se chamar Belo Horizonte, nome, aliás, por que já era conhecida a região do Curral D’El Rei.

A Praça Raul Soares, belíssima praça, é ponto central em todo o planejamento da cidade. Dela se irradiam quatro grandes avenidas, que se estendem, quase todas elas até os limites do projeto, a Avenida do Contorno.

Pois bem, a Praça Raul Soares, assim como Uraniborg, constitui-se em extraordinária rosa dos ventos! Por uma pequena diferença de aproximadamente 10 graus, ela estaria perfeitamente alinhada com os pontos cardeais.

O Google Earth pode novamente nos mostrar este fato. Na foto do satélite vemos que a Avenida Olegário Maciel, por uma diferença de cerca de 12,5 graus, delineia a direção Norte-Sul, e a Avenida Augusto de Lima, a direção Leste-Oeste.

A Praça Raul Soares em uma fotografia por satélite, como seria avistada de uma altitude de 1956 metros (6417 pés, indicados no canto inferior direito). A orientação geográfica está mostrada no canto superior direito.
A Praça Raul Soares em uma fotografia por satélite, como seria avistada de uma altitude de 1956 metros (6417 pés, indicados no canto inferior direito). A orientação geográfica está mostrada no canto superior direito.

O próprio desenho da Praça indica a intenção de uma rosa dos ventos. As quatro grandes avenidas indicariam os pontos cardeais e colaterais. Teria sido esta a intenção do planejador? Ao contrário de Uraniborg, a Praça estende-se muito além de seus limites. Isto, por obstáculos de natureza topográfica, pode ter impedido o perfeitamente alinhamento desta bela rosa dos ventos urbana.

Mas não faz mal… O que são 10 graus em nossa corrida vida diária? Podemos perfeitamente utilizar a Praça Raul Soares, se não para observações astronômicas, para nos orientar pela cidade! A Avenida Augusto de Lima bastante eficazmente nos indica o roteiro do nascer e ocaso do Sol, a direção Leste-Oeste. E a Avenida Olegário Maciel, prolongada “infinitamente”, nos leva aos confins setentrionais e meridionais do planeta Terra!

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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