ATRAVÉS DO UNIVERSO: Via-Íris, olhando a nossa galáxia com “olhos” variados

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O GEDAI publica o décimo texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

Via-Íris, olhando a nossa galáxia com “olhos” variados

Domingos Soares

14 de agosto de 2018

Existem pouco mais de cinco mil estrelas que podem ser vistas a olho nu. Isto, na Antiguidade, os gregos já sabiam, e qualquer pessoa pode verificar que são muitas as estrelas visíveis, uma a uma, com a vista “desarmada”. Mas a nossa galáxia possui bilhões de estrelas! Só que elas não podem ser vistas individualmente, mas sim como uma faixa esbranquiçada que corre pelo céu noturno. Esta faixa, um verdadeiro ribeirão, riacho, regato, rio “de leite”, é a nossa Via Láctea!

O aspecto leitoso — esbranquiçado — é o resultado da sensibilidade reduzida de nossos olhos, a qual é insuficiente para a observação das cores reais das estrelas mais distantes, portanto, mais fracas. É o que acontece também, por exemplo, ao entrarmos numa sala de cinema na escuridão. Neste caso enxergaremos tudo em preto e branco. Os nossos olhos não veem as cores, se a intensidade luminosa for baixa.

Mas se usarmos instrumentos apropriados veremos a transformação de nossa Via Láctea em um verdadeiro arco-íris galáctico! Ela se transformará na Via-Íris!

A Natureza faz, de forma belíssima, no fenômeno do arco-íris, a separação da luz nas várias cores que a constituem. As famosas “sete cores” do arco-íris são: violeta, índigo (anil), azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Na verdade, vemos um contínuo de cores, mas os nossos olhos e a tradição popular destacam estes sete matizes principais. A Física atribui a cada cor uma propriedade denominada “comprimento de onda”. Assim, o violeta tem o menor comprimento de onda e, no outro extremo, o vermelho tem o maior comprimento de onda. Estas cores pertencem ao chamado “espectro visível”.

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O arco-íris é produzido pela refração e reflexão da luz solar nas gotas de chuva suspensas no ar. A luz do Sol é formada pela mistura de todas as cores do arco-íris. Vemos aqui o arco primário e o secundário, à direita. Esta é uma bela representação do espectro visível.

A Via Láctea pode ser vista em toda a sua beleza multicolorida se for observada utilizando-se um detector de imagem. A sua exposição pode ser longa o suficiente para que suas cores apareçam. As estrelas possuem cores diversas, e elas aparecem na imagem obtida com o auxílio de uma câmera apropriada. No exemplo que apresentamos aqui foi utilizada uma câmera fotográfica de 35 mm, e o detector é um filme colorido convencional.

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Pouco mais de um terço da Via Láctea, no visível, fotografada pelo astrônomo alemão Axel Mellinger, utilizando uma câmera comum e filme colorido. As fotos foram feitas entre julho/1997 e janeiro/1999, em sítios localizados nos Estados Unidos, África do Sul e Alemanha.

Pode-se ver que o “caminho leitoso” é na verdade uma vibrante mistura de cores e manchas pretas. Estas manchas são causadas pela poeira interestelar — sim, poeira mesmo! — que obscurece a luz das estrelas localizadas por trás delas.

Mas agora vamos a algo mais fantástico: a verdadeira Via-Íris! A Via Láctea pode ser observada utilizando-se uma variedade grande de instrumentos e detectores, e não só no visível. O visível, ou óptico, corresponde à faixa do espectro eletromagnético que vemos com os nossos olhos, e admiramos tão deslumbrados num arco-íris. Vamos agora ver como é a Via Láctea, se tivéssemos olhos de ondas de rádio, de infravermelho, de raios X e de raios gama!

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A Via-Íris, ou, a Via Láctea “Multionda”. Cada faixa corresponde à imagem da Via Láctea observada numa faixa diferente de comprimento de onda. A faixa do alto corresponde ao maior comprimento de onda — ondas de rádio, na frequência de 408 MHz —, e a faixa de baixo ao menor comprimento de onda — raios gama. Cada faixa representa a emissão de uma categoria diferente de fontes de radiação. (Montagem: NASA.)

Cada faixa da Via-Íris, na coleção de imagens aqui mostrada, representa a emissão de radiação eletromagnética de variadas fontes. Para que todas estas radiações sejam detectadas é necessário a utilização de diferentes detectores. As cores que representam estas emissões são artificiais, com exceção da emissão na faixa óptica.

Resumidamente, vamos identificar os principais emissores, a partir da faixa do alto, na montagem da NASA, que possui dez faixas. Confira na figura.

(1) Ondas de rádio, de 408 MHz, provenientes de elétrons energéticos, que se movem no campo magnético interestelar; (2) ondas de rádio, de 1,4 GHz, emitidas pelo hidrogênio atômico; (3) ondas de rádio, de 2,5 GHz, de elétrons energéticos e gás quente, ionizado; (4) ondas de rádio emitidas pelo monóxido de carbono, e indicativas da presença de hidrogênio molecular; (5) infravermelho emitido pela poeira interestelar, aquecida pela luz das estrelas; (6) infravermelho de comprimento de onda médio emitido por moléculas orgânicas complexas; (7) infravermelho próximo — do visível — emitido por estrelas frias e velhas da Via Láctea, que, a propósito, são a maioria entre as estrelas da Galáxia; (8) óptico ou visível, emitido principalmente por estrelas e nuvens de gás ionizado; (9) raios X de baixa energia emitidos por gás quente; e, finalmente, (10) raios gama, altamente energéticos, emitidos pelas colisões de partículas de grande energia — os chamados “raios cósmicos” — com núcleos de hidrogênio presentes nas nuvens gasosas interestelares.

Pergunta capciosa final: onde estamos — o sistema solar — nas imagens da Via Láctea mostradas acima?

Aquele que quiser se aprofundar na Via-Íris — e, necessariamente, desafiar o seu conhecimento de inglês —, deve acessar o instrutivo sítio da NASA intitulado The Multiwavelength Milky Way.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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