ATRAVÉS DO UNIVERSO – Qual é a idade do universo?

domingosO GEDAI publica o nono texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

 

Qual é a idade do universo?

Domingos Soares

14 de julho de 2018

A idade do universo pode ser calculada de duas maneiras diferentes. Primeiramente, pela idade das estrelas mais velhas da Via Láctea. O universo será, certamente, mais velho do que elas. As estrelas são como grandes usinas termonucleares onde a energia é gerada através da fusão nuclear. No Sol, por exemplo, o hidrogênio é o combustível para a geração do elemento hélio. A fusão de enormes quantidades de hidrogênio gera a energia fabulosa do Sol. Uma pequeníssima parcela chega em nosso planeta e é responsável por toda a vida nele existente. Os astrofísicos utilizam as leis da Física para entender como funcionam as estrelas, e assim conseguem calcular quanto tempo elas podem existir. As suas idades, calculadas com o auxílio de modelos teóricos de evolução estelar, resultam em 14 bilhões de anos. Esta estimativa teórica é bastante confiável pois os fundamentos da evolução estelar são suficientemente sólidos, isto é, já foram testados com sucesso em muitas situações.

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As galáxias mais distantes do universo, observadas pelo Telescópio Espacial Hubble, são estudadas pela Cosmologia (Figura: S. Beckwith/STScI-NASA/ESA).

Em segundo lugar, podemos ter uma idade baseada em um modelo cosmológico. Existem muitos modelos teóricos propostos para explicar a evolução e a estrutura atual do universo. Até o momento, nenhum modelo pode ser considerado plenamente satisfatório. Existe um modelo que, embora não comprovado observacionalmente, é o mais utilizado na comunidade científica, e é por isso denominado “Modelo Padrão da Cosmologia”. Este modelo foi desenvolvido a partir da Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein (1879-1955), e é popularmente conhecido como “modelo do Big Bang”, ou, “modelo do Estrondão”.

Neste modelo, o universo teve a sua origem numa singularidade espaçotemporal de densidade e temperatura altíssimas — um evento denominado Estrondão —, e se expande desde então. Ao regredirmos no tempo a partir de hoje até a singularidade encontraremos a “idade do universo”. Esta idade depende, neste modelo, de uma grandeza observacional muito importante em cosmologia, denominada “constante de Hubble”. Ela está relacionada a uma descoberta importante em Astrofísica, realizada nas primeiras décadas do século XX, graças ao trabalho de vários astrônomos e ao gênio do astrônomo Edwin Hubble (1889-1953).

Para esta descoberta, Hubble e seus colegas utilizaram um instrumento extraordinário — o espectrógrafo. Este instrumento faz, de forma quantitativa, exatamente o que a Natureza faz, de forma belíssima, no fenômeno do arco-íris: a separação da luz nas várias cores que a constituem. As famosas “sete cores” do arco-íris são: violeta, índigo, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Na verdade, vemos um contínuo de cores, mas os nossos olhos e a tradição popular destacam estes sete matizes principais. A Física atribui a cada cor uma propriedade denominada “comprimento de onda”. Assim, o violeta tem o menor comprimento de onda e, no outro extremo, o vermelho tem o maior comprimento de onda. O espectrógrafo separa a luz das galáxias em seus vários comprimentos de onda e permite, além do mais, que as suas respectivas intensidades luminosas possam ser medidas. A propósito, foi a invenção do espectrógrafo que enriqueceu a Astronomia com mais uma grande área de pesquisa, a Astrofísica.

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O arco-íris é produzido pela refração da luz solar nas gotas de chuva suspensas no ar.
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A luz do Sol é formada pela mistura de todas as cores do arco-íris, cujo espectro está no diagrama (note que as radiações UV ≡ ultravioleta e IV ≡ infravermelha também estão presentes no arco-íris). O espectro do Sol teórico (“Sol”, na figura) é representado por um corpo negro a 5525 kelvins (Figuras: Domínio Público).

Os astrônomos descobriram que a luz das galáxias apresenta-se “deslocada” para comprimentos de onda maiores — na direção do vermelho —, e o efeito é tanto maior quanto menos brilhante é a galáxia. Ora, quanto menos brilhantes mais distantes as galáxias. Então, o efeito descoberto por Hubble e seus colegas foi o de que quanto maior a distância de uma galáxia, maior o desvio de sua luz para o vermelho. No Modelo Padrão da Cosmologia o aumento do comprimento de onda — o desvio para o vermelho — é causado pela expansão do espaço. Neste modelo, a constante de Hubble mede a taxa de expansão, de tal forma que, a partir dela, a idade do universo pode ser calculada.

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As “cores” de uma galáxia são representadas pelos comprimentos de onda no seu espectro. Este “arco-íris” foi obtido por um espectrógrafo, acoplado a um telescópio. A luz da galáxia é formada pela mistura de todos os comprimentos de onda do espectro. Esta galáxia atende pelo nome de ESO-LV 5100550, e pode ser vista, com o auxílio de um telescópio modesto, em nossos céus (Figura: David B. de Carvalho, dissertação de mestrado, UFMG).

Agora, até meados do século passado havia uma incerteza muito grande quanto ao valor da constante de Hubble e, consequentemente, sobre a idade do universo no modelo do Estrondão. No final da década de 1990, três astrônomos, Wendy Freedman, Robert Kennicutt e Jeremy Mould lideraram uma equipe que tinha como objetivo uma medida precisa — com um erro de no máximo 10% — da constante de Hubble. Em 2001 eles publicaram os resultados finais de seu trabalho. A idade do universo agora podia ser calculada com boa precisão, utilizando-se o Modelo Padrão da Cosmologia. O modelo conseguiu explicar a idade mínima do universo — os 14 bilhões de anos —, mas a custa de muitas hipóteses adicionais, que são questionadas por muitos cosmólogos e astrofísicos. A existência de “matéria escura” e de “energia escura” no Universo são algumas das hipóteses adicionais feitas pelo Modelo Padrão da Cosmologia. Sem estas hipóteses, a idade calculada ficaria abaixo da idade das estrelas mais velhas, o que obviamente não é possível.

Concluindo, o que podemos dizer concretamente é que o universo tem pelo menos 14 bilhões de anos. E a ciência da Cosmologia ainda não é satisfatória o suficiente para nos garantir mais alguma coisa. Quer dizer, o Universo pode até ser eterno…

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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