ATRAVÉS DO UNIVERSO – O maior feito de Edwin Hubble

domingosO GEDAI publica o oitavo texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

O maior feito de Edwin Hubble

Domingos Soares

14 de junho de 2018

O astrônomo estadunidense Edwin Powell Hubble (1889-1953) foi um dos maiores cientistas da idade moderna. Investigador prolífico, realizou grandes descobertas e por elas recebeu prêmios importantes. Após a morte, foi homenageado pela agência espacial NASA, que deu o seu nome ao grande telescópio colocado em órbita no dia 24 de abril de 1990, o Telescópio Espacial Hubble.

Em junho de 1935, Hubble foi agraciado com a prestigiosa medalha Barnard, patrocinada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Esta medalha foi instituída em 1895 e desde então concedida a cada cinco anos. Todos os predecessores de Hubble foram também recebedores do prêmio Nobel, entre eles, Roentgen, Rutherford, Einstein, Bohr e Heisenberg. Neste caso, Hubble distinguiu-se tanto por ser o primeiro americano quanto por ser o primeiro astrônomo a ganhar a medalha. A citação em sua premiação foi por seus “estudos importantes das nebulosas, particularmente das nebulosas extragalácticas, os quais forneceram a maior contribuição feita nos últimos anos para a compreensão observacional do comportamento do Universo em grande escala”.

A citação da medalha Barnatrd é bastante geral e inclui uma variedade enorme de projetos de pesquisa realizados por Hubble. Dentre estes, podemos perguntar, qual foi a sua maior contribuição para a astronomia moderna?

Allan Sandage (1926-2010), o maior dos seguidores de Hubble, em um artigo comemorativo do centenário do seu nascimento, em 1989, enumera os quatro maiores empreendimentos científicos de Hubble. Acrescenta Sandage que cada um deles garante a Hubble um lugar de destaque na história da ciência moderna. Eles são:

(a) o esquema de classificação morfológica, i.e., das formas, das galáxias,
(b) a descoberta de estrelas variáveis cefeidas nas galáxias NGC6822, M31 e M33, o que possibilitou o cálculo das suas distâncias e o estabelecimento definitivo da natureza das galáxias,
(c) a determinação da homogeneidade da distribuição das galáxias, tomadas em média sob vários ângulos sólidos de visada, e
(d) a relação linear velocidade-distância.

Todos os quatro, exceto um, são passíveis de controvérsias, naquela época e ainda hoje. Item (a): sabe-se que o esquema de classificação morfológica é de grande sucesso quando aplicado a galáxias próximas e brilhantes, mas encontra grande dificuldade ao ser aplicado para galáxias distantes e galáxias próximas de baixa luminosidade. Item (c): a distribuição de galáxias em grande escala apresenta estruturas enormes — denominadas “paredes”, “correntes” e “vazios” — e só pode ser considerada homogênea sob condições de aproximação restritivas. Item (d): a relação linear velocidade-distância era realmente uma relação linear entre desvio espectral para o vermelho e distância. O próprio Hubble em seu livro de 1936, The Realm of the Nebulae, declara a sua dúvida com relação à ideia de que o desvio espectral observado devesse ser interpretado como um desvio Doppler e, portanto, resultado de uma velocidade, o que resultaria na relação velocidade-distância. Até hoje nenhum astrônomo pode dizer que existe uma concordância generalizada em relação a qualquer das teorias cosmológicas disponíveis, que se fundamentam na chamada expansão do Universo, como ficou conhecida a interpretação mais famosa desta grande descoberta observacional de Hubble.

Com relação ao item (b) acima a história é bem outra. Trata-se do coroamento de uma série de pesquisas e debates que vinham se desenrolando naquele tempo, a saber, a respeito da verdadeira natureza das nebulosas, objetos difusos e extensos. Seriam eles pertencentes ao nosso sistema estelar, ou seriam objetos distantes e exteriores? Pesquisas de outros astrônomos apontavam para uma ou outra direção, mas nenhuma delas era conclusiva o suficiente. Hubble demonstrou observacionalmente, de forma brilhante e definitiva, que as chamadas “nebulosas espirais” eram objetos extragalácticos. Quer dizer, Hubble mostrou que estes objetos — hoje denominados “galáxias” — estavam localizados a distâncias muito maiores do que as dimensões do nosso sistema estelar, a galáxia da Via Láctea, e, portanto, não poderiam fazer parte dela, daí serem “extragalácticos”. Constituiu-se também na confirmação científica de uma das mais famosas especulações filosóficas, a da existência dos chamados “universos-ilhas”, concepção desenvolvida pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) no século XVIII.

Entre as nebulosas espirais estudadas por Hubble, para demonstrar observacionalmente a sua natureza extragaláctica, encontra-se M31, conhecida como “nebulosa de Andrômeda”, a majestosa galáxia espiral vizinha mais próxima de nós.

Este grande feito inaugura uma nova era na história da Astronomia, e um novo campo de pesquisa, qual seja, a Astronomia Extragaláctica, com os seus vários desdobramentos. Todos os outros três pontos mencionados por Sandage, e que foram objetos de interesse científico de Hubble, são consequências imediatas decorrentes da realização principal, as quais o gênio de Hubble soube imediatamente reconhecer. A “descoberta” das galáxias foi, portanto, a maior contribuição de Edwin Hubble para a astronomia moderna.

As descobertas de Hubble só foram possíveis devido aos grandes avanços tecnológicos ocorridos na astronomia do século XX. Tudo começou com a luneta astronômica de Galileu — há quase 400 anos —, que foi a precursora dos grandes telescópios atuais. Os telescópios que os astrônomos profissionais utilizam em suas pesquisas possuem, em sua grande maioria, espelhos ao invés de lentes, como partes principais do sistema óptico utilizado para coletar a luz dos astros distantes. Eles são chamados, neste caso, de telescópios refletores. O telescópio que é a personagem principal na descoberta das galáxias é um destes. Trata-se do telescópio refletor, com espelho de 2,5 metros de diâmetro, localizado no Monte Wilson, no estado norte-americano da Califórnia. Quem já visitou o Observatório Astronômico Frei Rosário, da UFMG, e ficou admirado com o tamanho do seu telescópio principal — que tem um espelho de 60 centímetros de diâmetro — pode bem imaginar o “monstro” de que estamos falando. Foi nele que Edwin Powell Hubble fez a sua maior descoberta. Na foto abaixo vemos Hubble e colegas próximos ao edifício do observatório de Monte Wilson.

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Hubble e o observatório de Monte Wilson, Califórnia, Estados Unidos. Da esquerda para a direita, o diretor do observatório Walter Adams (1876-1956), o físico James Jeans (1877-1946) e Edwin Hubble (1889-1953). A foto foi tirada em 1931; nesta época Hubble já havia feito as descobertas que o notabilizaram.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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