ATRAVÉS DO UNIVERSO – A verdadeira grande mancada de Albert Einstein

domingos-150x150O GEDAI publica o quinto texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

A verdadeira grande mancada de Albert Einstein

Domingos Soares

14 de março de 2018

Albert Einstein (1879-1955) apresentou a versão final de sua teoria de gravitação, a Teoria da Relatividade Geral (TRG), em 1915. A TRG resolveu alguns problemas não solucionados pela teoria de gravitação de Isaac Newton (1642-1727). Em 1917 Einstein deu um passo ambicioso e genial: aplicou a TRG ao universo e criou o primeiro modelo cosmológico relativista, resolvendo as equações da TRG para o caso especial de um universo homogêneo e isotrópico. Supôs também que o universo era estático e para conseguir isto fez uma modificação nas equações originais da TRG. Acrescentou nelas uma constante, a chamada constante cosmológica (representada pela letra grega maiúscula Λ), que tinha a função de contrabalançar os efeitos atrativos da matéria-energia do universo de modo a produzir um modelo estático.

Por volta de 1930 Einstein tomou conhecimento da lei dos desvios para o vermelho de galáxias distantes, resultante das observações de Edwin Hubble (1889-1953) e colegas. Esta lei, conhecida como lei de Hubble, ajusta-se bem a um universo dinâmico em expansão e, na época, parecia representar a exclusão definitiva da ideia de um universo estático. Por causa disto ele rejeitou a constante cosmológica classificando-a como a sua “maior mancada”.

Na realidade a inclusão de Λ nas equações aumentou de maneira substancial a aplicabilidade da TRG, sem causar problemas do ponto de vista formal. A sua verdadeira grande mancada foi propor um modelo que era claramente instável. O fato dele não ter percebido isto é que nos causa uma grande surpresa. Uma simples analogia newtoniana, que mostrarei abaixo, evidencia esta gravíssima falha. A minha interpretação, então, é que Einstein, como um mágico, desvia a atenção de sua verdadeira grande mancada criando a história da constante cosmológica, cuja rejeição não era apoiada por importantes cosmólogos de sua época, tais como o estadunidense Richard Tolman (1881-1948), o inglês Arthur Eddington (1882-1944) e o belga Georges Lemaître (1894-1966), que compartilhavam da opinião de que Λ enriquecera a TRG e deveria ser mantida em sua formulação

Passemos agora à análise da estabilidade do modelo estático de Einstein. Primeiro mostro um sistema físico estável típico, o sistema massa-mola. A figura 1 ilustra este sistema.

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Figura 1 – O sistema massa-mola é um sistema estável pois possui um ponto de equilíbrio estável (distensão da mola nula). Se o sistema sofre uma perturbação em torno do ponto de equilíbrio, ele tende a voltar para a posição de equilíbrio. Dizemos que o sistema está preso num poço de energia potencial. A força sobre a massa, fora do ponto de equilíbrio, é atrativa.

A energia potencial do sistema é dada pela energia potencial elástica da mola Uk = (1/2)kR2, onde k é a constante elástica e R é a distensão da mola a partir da posição de equilíbrio R = 0, onde a mola não exerce força sobre a massa (figura 2). Se a massa é deslocada da posição de equilíbrio a força da mola faz com que ela volte para lá. O sistema massa-mola é, portanto, estável.

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Figura 2 – Poço de energia potencial do sistema mostrado na figura 1. O ponto de equilíbrio estável é o ponto de distensão nula. O sistema sofre uma força restauradora sempre que é perturbado para fora do equilíbrio.

Na TRG o contínuo tetradimensional do espaço-tempo (3 coordenadas espaciais mais o tempo) é dotado de realidade física e constitui o chamado “tecido espaço-temporal”. A gravidade é descrita pela curvatura deste tecido. Einstein acrescentou um ingrediente adicional para obter o seu universo estático. Ele dotou este tecido da propriedade da elasticidade, quantificada pela constante cosmológica Λ, o que nos lembra a elasticidade de uma mola, esta quantificada pela constante elástica k. A diferença importante aqui é que a elasticidade do tecido cósmico é repulsiva enquanto que a elasticidade da mola é atrativa.

A energia potencial do modelo estático de Einstein possui duas componentes. Uma componente gravitacional com origem nas forças gravitacionais entre as várias partes do sistema, que são forças atrativas, e uma componente “elástica” modelada como a repulsão cosmológica elástica mencionada acima. Sendo R o fator de escala espacial do universo, a energia gravitacional será representada por − 1/R e a energia potencial elástica repulsiva por − (1/2)R2. A energia potencial total do modelo de Einstein é então UE = − 1/R − (1/2)R2, mostrada na figura 3. A presença da instabilidade é bastante clara. O ponto RE = 1 é um ponto de equilíbrio instável. Note que, ao contrário da curva de energia potencial de um sistema estável que possui concavidade para cima, aqui a concavidade é para baixo. O modelo, no ponto de equilíbrio, não pode sofrer qualquer perturbação, pois a diminuição ou aumento de R faz com que o modelo colapse para R = 0 ou se desintegre para R → ∞, respectivamente.

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Figura 3 – O universo estático de Einstein possui um ponto de equilíbrio instável (fator de escala RE = 1). Se o sistema sofrer uma perturbação em torno do ponto de equilíbrio ele tenderá a se afastar da posição de equilíbrio, colapsando para o fator de escala zero ou se desintegrando para R → ∞ (para mais detalhes leia aqui).

Em 1930, Arthur Eddington mostrou de forma rigorosa, com as equações da TRG, que o modelo estático de Einstein é instável, como ilustrado acima através da analogia newtoniana.

A constante cosmológica voltou a ser usada em vários modelos cosmológicos posteriores ao modelo de Einstein e é mesmo considerada em alguns círculos científicos como a quinta constante fundamental da natureza (cf. a proposta do físico francês G. Cohen-Tannoudji; leia aqui). Quer dizer, a invenção da constante cosmológica não foi definitivamente a grande mancada de Einstein. A sua verdadeira grande mancada foi o descuido quanto à instabilidade física de seu modelo, que consequentemente não poderia ser aplicado ao universo. Mas esta não foi a única mancada do grande físico; veja mais neste artigo.

Agradecimento – As figuras 2 e 3 foram confeccionadas em um dos computadores do Instituto Astronômico Kapteyn, Groningen, Holanda, sob os auspícios do Prof. Reynier Peletier.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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