ATRAVÉS DO UNIVERSO: Chiquinho Bomba Atômica e Joãozinho da Maré

O GEDAI publica o quadragésimo texto da série ATRAVÉS DO UNIVERSO – coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física / UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica.

Chiquinho Bomba Atômica e Joãozinho da Maré

Domingos Soares

13 de maio de 2022

Duas figuras extraordinárias, a primeira real, a outra fictícia. Chiquinho Bomba Atômica é o apelido dado por estudantes ao engenheiro civil de formação, físico e historiador da ciência por opções, e professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais Prof. Francisco de Assis Magalhães Gomes (1906-1990). O outro, Joãozinho da Maré é o nome de um personagem criado pelo físico, educador e professor da Universidade Estadual Paulista, USP e UNICAMP, entre outras, Prof. Rodolpho Caniato. O Prof. Magalhães e o Prof. Caniato são os protagonistas indiretos de dois textos de motivação astronômica e didática, que considero muito importantes. Os dois textos constituem leituras fundamentais para a formação de professores e estudantes. Ambos são obras primas pedagógicas e servem e serviram de inspiração a muita gente. Especialmente, a conturbada cosmologia moderna necessita do espírito investigativo e pedagógico dos dois personagens. Os textos estarão disponíveis no final. A seguir, mais alguns detalhes sobre Chiquinho e Joãozinho.

Prof. Francisco de Assis Magalhães Gomes, à esquerda, e Prof. Rodolpho Caniato.

Chiquinho Bomba Atômica

O Prof. Magalhães foi participante ativo na criação de duas grandes instituições mineiras, o Departamento de Física (DF) da UFMG e o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), este vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear. Já na década de 1950 era entusiasta da aplicação pacífica da energia nuclear e atraiu vários jovens engenheiros da universidade. Os trabalhos pioneiros daquela época resultaram na criação do CDTN. Tanto o DF quanto o CDTN estão localizados no campus da Pampulha da UFMG. O apelido “Chiquinho Bomba Atômica” foi-lhe dado pelos estudantes da Escola de Engenharia e depois adotado pelos estudantes do Instituto de Ciências Exatas, ao qual pertence o DF.

O Prof. Magalhães foi mentor e professor de muitos grandes professores de física, então mais jovens, da UFMG. Entre eles, destaca-se a nossa celebrada Profa. Beatriz Alvarenga Álvares, também engenheira civil, que teve nele o seu primeiro professor de física. E ele foi meu professor de “História da Ciência” em meados da década de 1970. Incidentalmente, nesta mesma época fui professor de laboratório de física na Escola Técnica Federal de Minas Gerais, hoje CEFET-BH.

Em 2006, por ocasião do centenário de seu nascimento, foi lançado pela Editora UFMG um livro em sua homenagem com depoimentos de vários ex-alunos e ex-colegas. O livro, intitulado “Humanismo e ciência para Francisco de Assis Magalhães Gomes”, foi organizado pelo professor emérito da UFMG (DF) Prof. Márcio Quintão Moreno. É leitura obrigatória para os jovens e todos que querem conhecer a história do desenvolvimento da ciência e da tecnologia em Belo Horizonte e em Minas Gerais. A Profa. Beatriz chama a atenção, em seu depoimento neste livro, para um episódio contado pelo escritor Frei Betto e que lhe inspirou um conto. Ele intitula-se Pedaço de estrela” e é um capítulo de seu livro intitulado “Alfabetto, Autobiografia Escolar” de 2002. Esta é uma pérola pedagógica que tem como personagem principal o nosso Chiquinho. O menino Frei Betto recebe a tarefa escolar para uma redação onde deve explicar o que é Minas Gerais. Ele busca auxílio em seu amigável vizinho, o Prof. Magalhães. O que acontece é extraordinário …

Joãozinho da Maré

O Prof. Rodolpho Caniato é professor de física e astronomia, autor de inúmeros livros nestas áreas. Ele apresenta em seus livros, tanto nos de astronomia quanto nos de física, inúmeras atividades práticas, as quais não requerem qualquer tipo de instrumental sofisticado. Na década de 1970, ele esteve à frente de propostas para o ensino de física. A sua tese de doutorado intitula-se “Um projeto brasileiro para o ensino de Física” e foi realizada em 1973 na Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, sob a orientação do Prof. José Goldemberg .

Em 1983, o Prof. Caniato publicou um artigo no Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira intitulado “ATO DE FÉ OU CONQUISTA DO CONHECIMENTO? Um episódio na vida de Joãozinho da Maré”. Foi nessa mesma época que eu, já professor no DF, tomei conhecimento da história de Joãozinho da Maré, e ela nunca mais me abandonou. Joãozinho é um menino que mora em uma favela do “Complexo da Maré” na cidade do Rio de Janeiro. Um dia, na escola, a professora planeja ensinar astronomia na aula de ciências. Ela começa falando sobre as estações do ano e explica por que temos o inverno e o verão na Terra. Joãozinho da Maré desconcerta a professora logo de início ao questionar de forma irrefutável os seus ensinamentos. Para isto, ele usa as experiências que tem em sua vida diária. A professora não estava, de forma alguma, preparada para as questões de Joãozinho. Ela estava apenas tentando ensinar algo que ela mesma aprendera…, mas, então, aprendera mesmo? Onde foi que ela errara?

Nós também nos surpreenderemos como muitas vezes nos comportamos exatamente como a professorinha de Joãozinho. Aceitamos certas “verdades” como fatos estabelecidos, até que um “Joãozinho da Maré” apareça e nos derrube, sem força ou violência, do alto de nossa “sabedoria”… Apenas com a autoridade do “planeta vida”, parodiando a grande artista Elza Soares (1930-2022).

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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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