ATRAVÉS DO UNIVERSO: A gravitação de Schwarzschild

O GEDAI publica o trigésimo nono artigo da série ATRAVÉS DO UNIVERSO – coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física / UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica.

A gravitação de Schwarzschild

Domingos Soares

12 de abril de 2022


Albert Einstein (1879-1955) terminou a formulação de sua teoria de gravitação, a Teoria da Relatividade Geral (TRG), em novembro de 1915. O astrofísico alemão Karl Schwarzschild (1873-1916) leu o artigo de Einstein, publicado numa revista científica prussiana, em circunstâncias dramáticas: ele servia o exército alemão durante a I Guerra Mundial, na frente russa. Imediatamente pôs-se a calcular as consequências da teoria para a gravitação causada por uma estrela isolada. Obteve então a primeira solução exata das equações de campo de Einstein para o espaço exterior a uma distribuição esférica e estática de massa M. Enviou os seus resultados a Einstein que se admirou do feito de Schwarzschild: ele mesmo não acreditava ser possível chegar a uma solução analítica e exata de suas equações dadas as enormes complexidades matemáticas envolvidas. Schwarzschild teve a engenhosidade de escolher um sistema simples, de alta simetria, para empreender a primeira e mais notável solução particular da TRG.

Figura 1
Karl Schwarzschild (1873-1916), físico e astrônomo alemão.

Em janeiro de 1916 o trabalho de Schwarzschild era publicado. Poucas semanas depois, ele encontrou a solução para o interior da massa M. Em maio do mesmo ano, em consequência de doença adquirida na guerra, a brilhante carreira científica de Schwarzschild foi interrompida pela sua morte prematura.

A solução externa de Schwarzschild permanece, até hoje, como a mais importante solução exata das equações de campo de Einstein, dada a sua vasta aplicabilidade em sistemas reais. Algumas aplicações notáveis são o cálculo de órbitas planetárias em campos gravitacionais fortes, sendo a previsão correta do avanço anual do periélio de Mercúrio o exemplo mais conhecido, o cálculo do encurvamento da trajetória da luz ao passar nas proximidades de corpos de grande massa, o cálculo do desvio para o vermelho gravitacional, etc. Além disso, mais próximo da vida diária, a solução de Schwarzschild permite maior precisão no cálculo das órbitas dos satélites do GPS (Global Positioning System) e da localização de qualquer ponto na superfície terrestre.

Não se pode deixar de mencionar ainda um grande e novo campo de pesquisa aberto, com a consideração dos objetos denominados buracos negros. Esses surgem como estruturas limites nas chamadas “singularidades” da solução de Schwarzschild. O buraco negro permanece, no entanto, como uma “hipótese de trabalho”, que aguarda, para sua completa e precisa discussão, a criação de uma teoria de gravitação quântica ou de outra teoria de gravitação alternativa.

A solução de Schwarzschild das equações gerais da gravitação de Einstein para o espaço exterior a uma massa M esférica e estática será daqui para frente denominada gravitação de Schwarzschild em contraposição à gravitação de Newton, a qual é o limite da gravitação de Schwarzschild para grandes distâncias da massa M (a chamada região de campo fraco). A gravitação de Schwarzschild é a única solução exata da TRG de reconhecida aplicabilidade prática e o grande prestígio de que goza a TRG provém fundamentalmente dela, que às vezes, de forma equivocada, é confundida com a própria TRG, ou seja, a parte é tomada pelo todo.

A gravitação de Schwarzschild aperfeiçoa a gravitação de Newton e em muitas situações físicas elas fornecem quase as mesmas previsões teóricas para os mesmos fenômenos. Ela é expressa matematicamente como um espaço-tempo curvo e a gravitação de Newton é uma teoria de força da gravidade.

Para r → ∞ (ou seja, muito longe da massa M) o espaço-tempo curvo de Schwarzschild se reduz ao espaço-tempo plano, o qual também representa uma região onde não existem massas, ou onde elas são desprezíveis, de tal forma que a gravitação é nula. Para Einstein, esta é uma situação em que o espaço-tempo é plano e para Newton, em que não existe a força da gravidade. Neste caso as duas interpretações são equivalentes. A figura 2 mostra uma representação bidimensional da seção espacial do espaço-tempo curvo de Schwarzschild em torno de uma massa M.

Figura 2
Representação bidimensional da seção espacial do espaço-tempo de Schwarzschild.

O espaço-tempo curvo de Schwarzschild pode ser escrito na linguagem do formalismo newtoniano, ou seja, como uma energia potencial gravitacional. A energia potencial newtoniana é dada por Φ=−GM/r, em que G é a constante de gravitação universal e r é a distância até o centro de M. A energia potencial de Schwarzschild é expressa por uma expansão em série dada por:

Equação 1.

onde c é a velocidade da luz no vácuo. Tomando-se apenas o primeiro termo da expansão tem-se a energia potencial gravitacional newtoniana. Em outras palavras, a gravitação newtoniana corresponde a um espaço-tempo ligeiramente curvo, pois a energia potencial Φ total que aparece na eq. 1 é maior, em valor absoluto, do que a energia gravitacional newtoniana.

A diferença maior entre a gravitação de Newton e a gravitação de Schwarzschild é vista nas regiões de campo gravitacional forte, ou seja, nas proximidades imediatas da massa M. “Campo gravitacional” aqui tem dois significados: para Newton representa a força gravitacional e para Schwarzschild representa a métrica do espaço-tempo.

A solução de Schwarzschild — a gravitação de Schwarzschild — é a única solução da TRG que foi inteiramente comprovada experimentalmente. O seu estrondoso sucesso é muitas vezes tomado como sendo o sucesso presumido de todas as possíveis soluções da TRG. Toma-se o sucesso da parte pelo sucesso do todo. E isto não é verdade. Por exemplo, as soluções cosmológicas da TRG, aplicadas ao fluido cósmico, inclusive o modelo atual da cosmologia, são, sem exceção, soluções não comprovadas experimentalmente até o momento. O modelo da cosmologia moderna só sobrevive às custas de hipóteses importantes ainda não verificadas, quais sejam, as hipóteses das existências da matéria escura não bariônica, da matéria escura bariônica e da energia escura.

A TRG é de fato uma teoria ainda incompleta e, portanto, com aplicação limitada. Uma teoria de gravitação mais completa precisa implementar os preceitos da mecânica quântica em sua estrutura, em outras palavras, ela deve ser uma teoria de gravitação quântica. Ela poderá ter algo da TRG em sua formulação ou poderá ser uma teoria completamente diferente da TRG, assim como a TRG é uma teoria completamente diferente da teoria da gravitação newtoniana.

Este tipo de avanço na ciência não é de forma alguma novo. Ele ocorreu, por exemplo, com a teoria eletromagnética do físico e matemático escocês James Clerk Maxwell (1831-1879). O sucesso do eletromagnetismo de Maxwell é também estrondoso, tem várias aplicações de sucesso, entre elas, a previsão e comprovação experimental de que a luz é uma onda eletromagnética. Mas o eletromagnetismo também encontrou os seus limites, que só foram superados com o advento da mecânica quântica, como foram os casos do efeito fotoelétrico e da radiação do corpo negro. Em 1948, o físico americano Richard Phillips Feynman (1918-1988) e outros formularam a teoria quântica da eletricidade e do magnetismo, a eletrodinâmica quântica que, com grande sucesso, incorporou a mecânica quântica ao eletromagnetismo clássico.

O próprio Einstein reconhecia as limitações da TRG, quando aplicada em sistemas físicos que apresentam soluções com singularidades, como a solução de Schwarzschild. Outros exemplos óbvios estão nos modelos relativistas mais populares da cosmologia moderna, os quais apresentam uma singularidade. Os efeitos quânticos são mais evidentes em situações extremas deste tipo. Singularidades são aberrações teóricas, as quais desaparecem quando uma teoria mais completa é considerada.

Um pouco mais:

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Domingos Soares
FLORESTA COSMOS
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