Os caçadores de Vênus (resenha)


Os caçadores de Vênus – A corrida para medir o Céu

Autora: Andrea Wulf / Tradução: Vânia Cury (Editora Paz e Terra – 2012)


Resenha escrita por Francisco Pazzini Couto (pazzini@cefetmg.br)

Vou me atrever a iniciar a resenha já promovendo uma mudança no título do livro. Deveria chamar, “Os caçadores de Vênus – Desventuras em série”. Explicarei o motivo.

Imagine-se construindo o primeiro projeto científico de colaboração global (entenda-se colaboração entre os países da Europa) em uma época que uma carta da Europa para as Américas demorava de dois a três meses para chegar ao destinatário. E mais, você, o organizador, não estaria vivo para ver o resultado desta empreitada.

Esta foi a proposta feita pelo célebre astrônomo Edmond Halley (1656-1741), ele mesmo – o do cometa – quando lançou o desafio da realização de múltiplas medições do trânsito de Vênus pelo Sol que ocorreria em 1761 e 1769. O objetivo era há muito perseguido pelos cientistas e filósofos: conhecer as dimensões do nosso sistema solar. Até então, conhecia-se as proporções entre as distâncias dos planetas ao Sol, mas não as medidas com valores confiáveis.

Mas para isso ocorrer, cientistas de nações europeias em constantes conflitos precisariam de trabalhar juntos. Não necessariamente no mesmo local, mas precisariam coletar e compartilhar dados pois de nada adiantaria um único pesquisador realizar medidas precisas sobre o tempo de entrada e saída de Vênus do Sol. Os dados e as localizações precisariam ser compartilhados para que o ângulo de paralaxe pudesse ser medido com a máxima precisão da época. Mas compartilhar localizações precisas era um “segredo de estado” uma vez que rotas comerciais para colônias eram a fonte de riqueza de muitos países. Para se ter uma ideia dos mapas da época, a fig. 1 mostra um mapa-múndi de 1700. É possível verificar o Rio Amazonas desenhado na direção Leste-Oeste e ligado ao Rio da Prata por um imenso lago.


Figura 1- Mapa-múndi de Paolo Petrini
fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ed/1700_map_of_the_world_by_Paolo_Petrini.jpg

Para quem não se recorda, ângulo de paralaxe é a mudança aparente da posição de um objeto quando visto de locais diferentes. O exemplo clássico é o do dedão: estique o braço e levante o polegar. Veja agora o dedão, ora com o olho esquerdo, ora com o olho direito. Ele parece “saltar” de um lado para o outro contra os objetos que estão no fundo, longe dele. Este é o efeito da paralaxe. Se a distância entre os olhos for conhecida e o ângulo determinado, então é possível medir a distância do nariz ao dedão.

O evento criou o que hoje chamamos de projetos científicos colaborativos, tão comum nos dias de hoje. As observações do primeiro trânsito, em 1761, mostraram que Vênus tinha atmosfera, fato este comprovando por futuras observações. Hoje sabemos que a atmosfera de Vênus não é nada agradável: temperatura média de quase 500°C, pressão quarenta vezes maior que em uma panela de pressão caseira e composição ácida.

O livro está divido em duas partes. Na primeira parte apresenta as desventuras das equipes dos dois principais países que fizeram observações do trânsito em 1761, França e Inglaterra. A segunda parte apresenta o trânsito de 1769, agora acrescidos da Rússia, Alemanha, Suécia e Estados Unidos. Não deixa de ser instigante para nós brasileiros, na época uma colônia portuguesa – a capital do vice-reino acabava de mudar de Salvador para o Rio de Janeiro – , que os países ibéricos não tenham ajudado nesta empreitada e, segundo as pesquisas da autora, muito atrapalhado. A autora utiliza de vasta documentação como diários de bordo, de expedições, cartas, publicações de reuniões de sociedades científicas etc.

Mas porque “Desventuras”. Como os leitores poderão constatar: i) um dos incentivadores perseguiu o evento por 10 longos anos (e não o viu), teve morte decretada por falta de notícias e perderam seus bens, ii) equipes foram devastadas por febre tifoide, iii) outras sequestradas e feitas reféns. Nada que falte a um bom e exagerado filme de aventura.

Em tempo: assisti ao trânsito de Vênus de 2004 da janela de minha casa – com os devidos cuidados – às 6h30. Na época não sabia registrar por fotografia estes eventos. Mas a imagem ainda é viva na lembrança.