ATRAVÉS DO UNIVERSO: O espaço-tempo einsteiniano

domingosO GEDAI publica o décimo quinto texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

 

O espaço-tempo einsteiniano

Domingos Soares

15 de abril de 2019

Albert Einstein (1879-1955) apresentou a Teoria da Relatividade Restrita (TRR) em 1905 e com ela modificou completamente os conceitos de espaço e tempo em física, eliminando o tempo absoluto e o espaço absoluto clássicos. Pouco tempo depois, o matemático alemão Hermann Minkowski (1864–1909), seu antigo professor em Zurique, mostrou que a TRR, originalmente proposta em forma algébrica, poderia ser entendida geometricamente como uma teoria do espaço-tempo tetradimensional (três coordenadas espaciais mais uma temporal).

A seção espacial deste espaço-tempo é o trivial espaço euclidiano, cuja característica mais típica é a de ser geometricamente plano, ou seja, a de obedecer aos postulados e corolários da geometria euclidiana (por exemplo, a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus, o perímetro de um círculo dividido pelo seu diâmetro é igual ao número irracional π, por um ponto fora de uma reta passa uma e somente uma reta paralela, etc).

O espaço tetradimensional da TRR é denominado, por razões óbvias, espaço-tempo de Minkowski. Na verdade, ele nada mais é do que uma extensão do espaço euclidiano tridimensional para quatro dimensões e é também, portanto, geometricamente plano. A propósito, o espaço euclidiano pode ser estendido para qualquer número de dimensões n.

O espaço-tempo e o espaço da TRR são planos. Isto não será verdadeiro para as soluções da Teoria da Relatividade Geral (TRG), que é a teoria de gravitação einsteiniana. Para elas, o espaço-tempo será sempre curvo e o espaço será, geralmente, também curvo. Veremos apenas um caso em que a seção espacial de uma solução da TRG será plana.

A TRG é uma teoria geométrica de um espaço tetradimensional curvo, cuja seção espacial pode ser plana ou curva, como veremos a seguir em dois exemplos. O espaço-tempo curvo da TRG implica em que um corpo de prova colocado em repouso em qualquer ponto do espaço sairá do repouso, ou seja, ele “rola” pelo espaço-tempo curvo afora. A situação é análoga ao que ocorre na mecânica newtoniana, quando um corpo de prova é colocado em repouso numa região do espaço onde existe um campo de força. Alternativamente, um corpo de prova colocado em repouso num espaço-tempo plano permanece em repouso, um comportamento análogo ao ditado pela Primeira Lei da mecânica newtoniana.

Logo após a apresentação final da TRG em 1916, o astrônomo alemão Karl Schwarzschild (1873-1916) resolveu as equações de campo de Einstein para um caso bastante particular, simples e de grande alcance quanto às suas possibilidades de aplicações experimental e observacional. Trata-se da determinação da métrica do espaço-tempo no exterior de uma distribuição de massa M, estática e esfericamente simétrica. A métrica de um espaço n-dimensional qualquer é a expressão matemática que permite o cálculo de distâncias neste espaço. A métrica de Schwarzschild aplica-se, por exemplo, ao movimento planetário em torno do Sol, e representa um aperfeiçoamento da lei de gravitação universal de Newton quando aplicada no mesmo contexto.

A figura 1 mostra uma visualização bidimensional do espaço 3D e dá apenas uma ideia de como seria o equivalente tridimensional, cuja representação é impossível pois exigiria uma figura 3D imersa num espaço 4D. A representação 2D é um paraboloide de revolução em torno da massa central M.

Representações bidimensionais das seções espaciais dos espaços-tempos de Friedmann. As somas dos ângulos internos dos triângulos vermelhos são: maior do que 180°, menor do que 180° e igual a 180°, para as seções espaciais fechada, aberta e plana, respectivamente. O mesmo desafio proposto na legenda da figura 1 é também válido aqui para estas três seções espaciais.

Representação bidimensional da seção espacial do espaço-tempo de Schwarzschild. Um desafio: tente imaginar o espaço 3D, equivalente ao 2D mostrado aqui, imerso num sistema de coordenadas espaciais 4D.

 

O espaço-tempo de Schwarzschild e a sua seção espacial são ambos curvos.

O atual Modelo Padrão da Cosmologia é a modificação de um dos modelos relativistas históricos, quais sejam, aqueles desenvolvidos pelo cosmólogo russo Alexander Friedmann (1888-1925), logo após a proposta da TRG por Einstein. Friedmann publicou os seus estudos no início da década de 1920. Os seus modelos eram soluções particulares das equações de campo da TRG aplicadas ao universo sob uma hipótese simplificadora, que ficou conhecida posteriormente como “Princípio Cosmológico”. Os modelos clássicos de Friedmann podem ser de três tipos dependendo do conteúdo de matéria-energia do universo. O universo — ou modelo — de Friedmann fechado possui densidade de matéria-energia maior do que a chamada densidade crítica, o universo aberto possui densidade menor do que a densidade crítica, e o universo plano é o modelo cuja densidade é a densidade crítica, e desta forma, a define. Todos estes modelos clássicos de Friedmann estão em expansão desacelerada, sendo que o modelo fechado é cíclico, alternando fases de expansão e contração.

As três possibilidades estão ilustradas na figura 2, como visualizações 2D imersas no espaço 3D. Como dito acima, a representação geométrica 3D é impossível, pois a quarta dimensão espacial não existe ou não é observável. As representações das várias configurações 3D só são possíveis através de relações matemáticas e geométricas características de cada espaço específico.

Representações bidimensionais das seções espaciais dos espaços-tempos de Friedmann. As somas dos ângulos internos dos triângulos vermelhos são: maior do que 180°, menor do que 180° e igual a 180°, para as seções espaciais fechada, aberta e plana, respectivamente. O mesmo desafio proposto na legenda da figura 1 é também válido aqui para estas três seções espaciais.
Representações bidimensionais das seções espaciais dos espaços-tempos de Friedmann. As somas dos ângulos internos dos triângulos vermelhos são: maior do que 180°, menor do que 180° e igual a 180°, para as seções espaciais fechada, aberta e plana, respectivamente. O mesmo desafio proposto na legenda da figura 1 é também válido aqui para estas três seções espaciais.

 

A tabela abaixo apresenta o resumo das discussões apresentadas acima relativamente à existência ou não das curvaturas do espaço e do espaço-tempo nas teorias relativistas.


TRR

Schwarzschild

Friedmann

Friedmann

Friedmann

fechado

crítico

aberto

Espaço

plano

curvo

curvo

plano

curvo

Espaço-tempo

plano

curvo

curvo

curvo

curvo


É importante notar que, devido ao fato de a TRG ser uma teoria de gravitação e a gravidade ser descrita pela curvatura do espaço-tempo, o espaço-tempo de todas as soluções da TRG é curvo. Na TRR não existe gravitação e o espaço-tempo é consequentemente plano. Note também que a única geometria plana nas soluções da TRG é a do espaço do modelo de Friedmann crítico, muitas vezes chamado, por isto, de “Friedmann plano”.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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