ATRAVÉS DO UNIVERSO – Uma régua cósmica

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O GEDAI publica o segundo texto da série  “ATRAVÉS DO UNIVERSO”, coluna mensal do prof. Domingos Soares (Departamento de Física/UFMG). Conheça mais sobre o autor em sua página eletrônica. Veja os textos anteriores da série clicando neste link.

Uma régua cósmica

Domingos Soares

13 de outubro de 2017

Em 1925, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953) publicou um artigo científico onde ele demonstrava que a nebulosa irregular catalogada como NGC 6822 era de fato um sistema estelar exterior ao nosso sistema da Via Láctea. Estava inaugurada uma nova área da astronomia: a astronomia extragaláctica, e os horizontes humanos ampliados de forma espetacular!

Hubble conseguiu realizar este feito de uma maneira muito simples: ele mediu a distância até NGC 6822 e verificou que ela era maior do que duas vezes as dimensões conhecidas na época da Via Láctea. Sendo assim, NGC 6822 deveria estar fora de nossa própria galáxia.

Para medir a distância ele utilizou uma “régua cósmica” que foi descoberta por uma mulher, a astrônoma, também norte-americana, Henrietta Leavitt (1868-1921).

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Henrietta Leavitt.

Antes do advento dos computadores eletrônicos, cálculos matemáticos eram realizados por equipes de profissionais denominados “calculadores”. Em geral, os calculadores em astronomia eram mulheres, menos pelo fato de serem mais cuidadosas nos exaustivos cálculos do que pelo menor custo envolvido. Os salários de homens eram — e, em muitas situações nos dias atuais, ainda são — maiores do que os salários pagos às mulheres. Muitas calculadoras tornaram-se astrônomas de destaque na história da astronomia. Henrietta Leavitt é uma ilustre representante deste caso.

Após o término de seus estudos de graduação em 1892, Henrietta foi contratada pelo astrônomo Edward Pickering (1846-1919), do Observatório de Harvard nos Estados Unidos. A sua função era a de calculadora e ela deveria trabalhar no catálogo fotográfico do Observatório medindo os brilhos de estrelas. Ela verificou que haviam milhares de estrelas variáveis nas imagens das Nuvens de Magalhães, que hoje sabemos serem galáxias satélites da Via Láctea.

Havia um tipo especial de estrelas variáveis denominadas “variáveis cefeidas”. As características que definem uma variável cefeida são o grande brilho — são estrelas supergigantes — e o seu período de variabilidade, o tempo transcorrido para ocorrer um ciclo completo de variação de brilho, de 1 a 100 dias. As variáveis cefeidas têm este nome porque a primeira delas foi descoberta na constelação de Cefeu (“Cepheus”, em latim). A estrela era a quarta mais brilhante da constelação e por isto denominada, conforme a convenção em astronomia, Delta Cephei (ou Delta de Cepheus; “delta” é a quarta letra do alfabeto grego).

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Gráfico de uma “curva de luz” de uma estrela variável cefeida fictícia, com período de pouco mais de 3 dias.

Henrietta descobriu um fato importante nas variáveis cefeidas das Nuvens de Magalhães: as variáveis de maior brilho possuíam um período grande e as de menor brilho um período pequeno. E a relação entre brilho e período era muito simples, o brilho era diretamente proporcional ao período. Como as estrelas estavam todas à mesma distância da Terra, pois se localizavam nas Nuvens de Magalhães, a relação entre o brilho aparente e o período era, na verdade, uma relação entre brilho absoluto e período. Esta relação é também chamada de relação “período-luminosidade”.

Como utilizar a relação período-luminosidade para medir distâncias? Ora, é sabido que o brilho de uma fonte parece ser tanto menor quanto maior é a distância a que ela se encontra do observador. Existe uma lei muito simples: o brilho aparente é inversamente proporcional ao quadrado da distância da fonte. Quer dizer, se conhecermos o brilho de uma fonte luminosa e a sua distância, e medirmos o seu brilho a uma distância desconhecida, podemos, com uma simples operação matemática, calcular a distância da fonte. Por exemplo, se uma fonte possui um brilho 4 vezes menor que o seu brilho na distância conhecida, então isto significa que ela está a uma distância 2 vezes maior.

Bastava então conhecer a distância de uma variável cefeida de nossa própria galáxia, o que pode ser conseguido com métodos apropriados para distâncias menores. A relação período-luminosidade das Nuvens de Magalhães pode ser “calibrada” e torna-se então uma relação entre período e brilho a uma distância conhecida ou “brilho absoluto”. Ao observarmos uma variável cefeida de distância desconhecida, basta medir o seu período, o que é simples, e a relação período-luminosidade, calibrada como descrito acima, fornecerá o brilho absoluto da estrela. Mede-se o brilho aparente da estrela e aplica-se a lei do inverso do quadrado da distância para se obter a sua distância verdadeira.

Este método é muito poderoso porque as estrelas variáveis cefeidas são estrelas supergigantes, as quais possuem luminosidades intrínsecas milhares de vezes maiores do que a luminosidade do Sol, podendo ser observadas mesmo quando estão muito distantes.

Foi assim que Edwin Hubble descobriu a distância até NGC 6822. Ele identificou variáveis cefeidas na nebulosa, mediu os períodos e daí deduziu os brilhos absolutos. Mediu então os brilhos aparentes de cada variável nas fotografias que obteve e, finalmente, deduziu as distâncias até as variáveis, ou seja, até a nebulosa.

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Domingos Savio de Lima Soares
FLORESTA COSMOS
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